segunda-feira, 9 de abril de 2012

CURIÓ HERÓI OU BANDIDO

O currículo impõe respeito. Ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI), ex-membro do Conselho de Segurança Nacional (CSN), braço direito do ex-presidente da República João Batista Figueiredo, homem de confiança do general Newton Cruz, primeiro chefe do garimpo de Serra Pelada, ex-deputado federal pelo PDS, partido de apoio ao regime militar, coronel da reserva, ex-prefeito de Curionópolis, município cujo nome lhe homenageia, Sebastião Rodrigues de Moura ainda é, mesmo assim, um mistério a ser decifrado.

Entre militares que compartilham dos ideais do golpe militar de 64 e antigos garimpeiros de Serra Pelada, Curió é um mito, um nome a ser lembrado com honras. Para militantes de movimentos sociais e remanescentes oposicionistas da ditadura militar, um criminoso no mesmo nível de oficiais nazistas. A tentativa de levá-lo a Justiça, feita recentemente pelo Ministério Público Federal, dividiu opiniões. Colunistas como Reinaldo Azevedo e editorialistas de grandes jornais, principalmente os que argumentam em favor da tese da ‘ditabranda’, classificam de oportunismo demagógico a iniciativa dos procuradores da República. Entidades ligadas a direitos humanos acreditam que, ao contrário, é uma forma de reparar injustiças históricas.
CURIÓ EM SILÊNCIO

Vivendo em Brasília, às margens do poder que sempre lhe coube de sombra, talvez passe os dias pensando nos próprios passos, imaginando que não chegaria tão longe. Na memória, é possível que reveja o dia ensolarado quando, ao fim da Segunda Guerra Mundial, assistiu a um primo ser recebido como herói na cidadezinha de São Sebastião do Paraíso, sul de Minas Gerais, lugar onde nasceu. O primo havia servido na Força Expedicionária Brasileira (FEB). Sebastião, um incipiente lutador de boxe, filho de um barbeiro, sentiu admiração pelo parente. E uma pontada de inveja. Decidiu seguir o caminho da farda. Seria uma carreira obscura, banal, não fosse o golpe militar de 1964. Sebastião de Moura mostrou-se logo um dedicado quadro militar. “A revolução de 1964 foi uma resposta ao chamamento da sociedade brasileira”, disse em depoimento à novela Amor e Revolução, do SBT. Atento às mudanças do vento, Moura fez um curso de especialização no Centro de Instrução de Guerra na Selva, do Comando Militar da Amazônia. O aprendizado seria vital para o combate às guerrilhas rurais que começavam a ser planejadas por grupos esquerdistas, inconformados com a guinada à direita do Brasil.

Pode-se dizer que a carreira de Curió como agente da repressão militar teve início na década de 70 no sudeste do Pará, região do Araguaia/Tocantins. Sebastião Curió chegou ao Araguaia como homem forte do Serviço Nacional de Informações (SNI). Tinha carta branca para agir, principalmente depois das duas vexatórias derrotas sofridas pelos militares nas primeiras ações contra os guerrilheiros do PCdoB nas matas.
Curió sabia que muitos erros haviam sido cometidos pelos militares na ofensiva contra os guerrilheiros. Revelou isso em entrevista à revista IstoÉ em 2008. “Eles (os guerrilheiros) conheciam a floresta e a tropa militar colecionava muitos erros, como movimentar 300 homens ao mesmo tempo, roupas inadequadas, combatentes não adestrados e falta de rádios de comunicação. Até homens da guarda palaciana, que nem sabiam o que era selva, estavam lá”, disse à revista. Ele estava lá justamente para corrigir esses erros.

Sebastião Curió chegou à região numa veraneio vermelha, junto a mais quatro companheiros, depois de três dias de viagem cansativa vindo de Brasília. Apresentou-se como funcionário do Incra e só o presidente do instituto sabia a real identidade dele. A primeira parada foi em Xambioá, à época um amontoado de casebres de madeira e barro, com menos de quatro mil moradores, às margens do rio Araguaia. Um misto de orgulho pelo papel que desempenharia e um certo receio pelo que poderia vir a encontrar, dividia o militar no papel de agente infiltrado. Marco Antônio Luchini, doutor “Paulo” e doutor “Tibiriçá” foram alguns pseudônimos usados por Sebastião Moura para se aproximar dos posseiros.

A missão era uma só: sufocar a Guerrilha do Araguaia. Policia Federal e o Exército serviam de retaguarda para ele. A atuação enérgica contra os inimigos faria com que a fama se estendesse por todo o país. Depois que conseguiu ser vitorioso contra os guerrilheiros, destroçando qualquer possibilidade de reação, Curió passou a ter amplos poderes. Era o próprio Estado numa região de difícil acesso e de ausência quase total da União. Tornou-se uma espécie de ‘Kurtz’ da Amazônia, uma referência ao personagem de Joseph Conrad que originou o filme ‘Apocalipse Now’. Militar é designado para missão secreta no Vietnã e depois se torna uma espécie de ‘mito’ entre nativos da selva. (Diário do Pará)

Ex-motorista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Marabá, Valdim Pereira de Souza, que nos anos 70, durante a guerrilha do Araguaia - movimento que pregava uma revolução das massas camponesas para derrubar a ditadura militar implantada no país em 1964 -, colaborou com os militares, recolhendo ossos humanos de guerrilheiros mortos pelo Exército, prestou na semana passada em Marabá um depoimento em que acusa o coronel Sebastião Curió de usar pessoas a ele ligadas para ameaçá-lo de represálias caso colabore com o Grupo Tocantins, que busca localizar corpos dos insurretos que ainda estariam enterrados na região. Curió teve intensa participação, como major do Exército, na repressão ao movimento guerrilheiro.

Souza já recebeu várias ameaças para ficar calado. Em dezembro do ano passado, em três ligações telefônicas para seu celular, ele foi aconselhado a “fechar a boca para não dizer besteiras”. Em uma das ligações, enfrentou quem o ameaçava: “Olha, nós não temos mais nada a perder”. A mãe do motorista também atendeu a um telefonema ameaçador em Macapá, onde o motorista morava: a voz advertia para ter muito cuidado com o que andava falando.

Em depoimento gravado num vídeo, cuja cópia foi obtida com exclusividade pelo DIÁRIO, Souza afirma que, para ele, Curió está por trás das ameaças. O motorista diz que fala com conhecimento de causa, porque já trabalhou para Curió por sete anos, entre 1976 e 1983, quando o ex-patrão comandou com mão de ferro o garimpo de Serra Pelada. “O Curió é corajoso e me disse certa vez que quem fala muito morre”, contou, revelando que o ex-agente do SNI queria que Souza fizesse coisas que não gostava, como seguir e escutar pessoas, inclusive amigos do motorista. E dizia para ele que “inimigo bom é inimigo morto”.

LIMPEZA

Um dos quatro ouvidores do Grupo de Trabalho do Tocantins e ex-representante do Pará junto ao Ministério da Defesa, no Programa Federal Comissão da Verdade, Paulo Fonteles Filho, que há vários anos luta para encontrar os corpos de guerrilheiros que militavam no PC do B, integrando uma força-tarefa de agentes federais, pediu a ex-soldados e outros militares das Forças Armadas, que hoje colaboram com o governo federal para localizar as vítimas, que denunciem as ameaças que também estariam sofrendo.

Para Souza, as ameaças não podem ficar impunes. Ele diz que ainda há militares, principalmente do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, de Marabá, que tentam negar que no quartel daquela unidade do Exército pessoas foram torturadas. Ele afirma que os ex-militares que colaboram com o Grupo Tocantins estão sendo vigiados.

Ossos recolhidos ao DNER

Em 1976, segundo o depoimento de Souza, ele participou da “Operação Limpeza”, denominação militar para o resgate de corpos e ossadas de guerrilheiros mortos na região. “Não tínhamos o direito de saber o que fazíamos, apenas cumprir a nossa obrigação e as determinações superiores”, revela. O trabalho dele era dirigir uma caminhonete do Incra. Era um carro descaracterizado, com placa fria. Foi várias vezes a Castanhal da Viúva, mas percorria também localidades como Bacaba, São Geraldo, São Domingos, Brejo Grande e Palestina.

A missão era trazer para a sede do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), em Marabá, vários sacos amarrados com um cordão. Os sacos pesavam cerca de 100 quilos e dentro, soube depois, por servidor do próprio DNER conhecido por “Pé na Cova”, havia ossos humanos. O cheiro era insuportável. Os homens do Exército que comandavam a operação eram o doutor Luchini (Sebastião Curió) e os sargentos Santa Cruz e Ribamar.

PROIBIÇÃO

Quem participava da “Operação Limpeza” era proibido de perguntar o que havia dentro dos sacos. Souza declarou que fez quatro viagens para transportar os sacos com as ossadas. Hoje, ele relembra, quem colaborou com o Exército “mal consegue levantar da cama, já morreu ou está muito doente, sem nada”. E desabafa: “não fizemos isso de livre e espontânea vontade, mas de livre e espontânea pressão”.

Sebastião Curió foi procurado pelo DIÁRIO em Curionópolis para apresentar sua versão do relato feito por seu ex-motorista, mas não foi localizado. A informação era de que ele morava em Brasília. Não foi possível localizá-lo na capital federal. (Diário do Pará)

A gente não se sente só traumatizado, mas se sente vítima... Porque a gente nem sabia o que estava acontecendo. Eles [os militares do alto escalão] diziam que eram guerrilheiros financiados por Cuba, pela China, treinados por outros países para virem tomar o Brasil, era essa a informação que nós tínhamos dos comandantes generais. Então, a gente ia fazer aquilo com orgulho, pensando que tava defendendo o Brasil de uma invasão estrangeira. A gente ia pro tudo ou nada, eles diziam: se eles tomarem o País, a tua família vai ser sacrificada. Aquilo era uma maneira deles levantarem o brio do soldado, a moral do soldado.”

O depoimento acima pertence a Dorimar, soldado que lutou na Guerrilha do Araguaia, movimento desencadeado entre as décadas de 60 e 70, que teve como propósito fomentar uma revolução socialista no Brasil, às margens do rio Araguaia, nas proximidades das cidades de São Geraldo e Marabá, no Pará, e de Xambioá, no norte de Goiás, região onde, atualmente, é o norte do Estado de Tocantins, também conhecida como Bico do Papagaio. De um lado, os guerrilheiros, que lutavam contra a Ditadura Militar no País, de outro, o exército, defendendo a Pátria. Ao redor de tudo isso, o povo da região, que, sem entender direito o que se passava, foi vigiado, coagido e, muitas vezes, torturado em diversas situações.

ARQUIVO

O depoimento de Dorimar, juntamente com o de outros soldados, bem como o de guerrilheiros, de moradores da região do Araguaia e de familiares dos ex-combatentes do movimento compõem o acervo analisado pela pesquisa “O arquivo da memória social das lutas camponesas no Pará”, produzida por Adriana Coimbra, graduada em História pela Universidade Federal do Pará e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). O relato soma mais de 80 horas de entrevistas coletadas na região de Xambioá, em um período de dois anos, pelo Grupo de Trabalho do Tocantins (GTT), formado por pesquisadores do Emílio Goeldi dedicados a estudar a Guerrilha do Araguaia e os eventos decorrentes desse importante fato histórico.

A pesquisa integra o Projeto “Arquivo da Memória Social da Guerrilha e da Guerra que Veio Depois”, coordenado pelo professor da área de Antropologia da UFPA, Rodrigo Peixoto. “O Projeto objetiva reunir vídeos com entrevistas de pessoas que viveram a experiência da Guerrilha e da repressão que se seguiu, com perseguições, ameaças, assassinatos de lideranças sindicais e de religiosos ligados à Teologia da Libertação”, explica Rodrigo. De acordo com o professor, a importância da iniciativa reside no fato de que “a Guerrilha é um episódio seminal na história da região, no entanto não está incluída nos currículos escolares das escolas públicas, de modo que sua memória, embora viva, continua reprimida socialmente.”

A partir da análise dos depoimentos coletados, que resgatam a memória do movimento, o objetivo da investigação é identificar qual foi a importância histórica, política e social da Guerrilha, como ela mexeu com o cotidiano das cidades envolvidas e quais as representações simbólicas criadas pelos sobreviventes e pelos herdeiros das consequências dessa revolta que deixou muitos mortos, torturados e desaparecidos.

Por meio de uma parceria firmada entre o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Arquivo Nacional, a pesquisa de Adriana Coimbra foi integrada ao Projeto “Memórias reveladas”, do governo federal – Ministério da Justiça, o qual prevê que seja criada uma rede de arquivos sediados em vários lugares do Brasil, tendo como denominador comum o intuito de revelar fatos ocorridos durante o período de Ditadura Militar. O material coletado pelo GTT, ou seja, todas as mais de 80 horas de entrevistas em áudio e vídeo com ex-combatentes e moradores da região do Araguaia será disponibilizado no site www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br a partir do mês de março. (ASCOM UFPA)

Estaremos sempre publicando tudo sobre a guerrilha do Araguaia, para melhor entendermos o que de fato aconteceu no inicio da década de 1970 na região do bico do papagaio e sul e suldeste do Pará.

AINDA CURIÓ

O ano era 1966. O golpe militar estava instalado no Brasil havia apenas dois anos. Entre manifestações de rua contrárias e a favor, entre o apoio incondicional de setores da grande imprensa e as primeiras tomadas de posição jornalísticas contra o regime, as peças do confuso tabuleiro político começavam a se mover entre os que defendiam uma oposição dentro das normas jurídicas em busca da volta da democracia e os que pregavam a luta armada contra o regime imposto autoritariamente no País. Foi neste ano que integrantes do PCdoB, divergindo frontalmente da postura do Partido Comunista Brasileiro, começaram a se instalar em três áreas conhecidas como ‘Bico do Papagaio’, entre o sudeste paraense e o norte do que atualmente é o estado de Tocantins. Ali seria deflagrada a Guerrilha do Araguaia.
Alguns militantes, como o célebre Osvaldão, haviam recebido treinamento na China. Os futuros guerrilheiros, a maioria com boa formação escolar, foram aos poucos se instalando em pequenos municípios como São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Palestina do Pará, Xambioá e Araguatins. Surgiram como compradores de terras, comerciantes, trabalhadores rurais. Conquistaram a afeição dos moradores locais. Eram chamados de ‘paulistas’. Faziam atendimentos médicos, prestavam-se a dar aulas, tentavam incutir consciência política nos humildes habitantes das localidades.
Dividiram-se em três destacamentos. Aos poucos a movimentação começou a chamar a atenção dos militares. Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas promoveram três campanhas militares visando eliminar a guerrilha. Foram escorraçadas na primeira tentativa. Recuaram estrategicamente na segunda, iniciando uma das maiores operações de espionagem e infiltração da história, para ao fim, vencer a última campanha.
Do lado guerrilheiro estima-se que 98 pessoas atuaram diretamente, seja pegando em armas, ou trabalhando na logística. Umas duas dezenas eram pessoas da própria região. Enfrentaram uma força de pelo menos cinco mil agentes, entre policiais militares, federais, civis e da Polícia Rodoviária Federal. Oficialmente o conflito resultou em um saldo de 84 mortos. Sessenta e nove pelo lado dos guerrilheiros, 11 do lado militar, além de quatro camponeses, que não tinham vínculo nem com um lado, nem com outro.
Dois nomes podem ser considerados cruciais para a vitória da ofensiva militar. Um é o general Antonio Bandeira, o primeiro oficial a realmente acreditar que uma guerrilha estava sendo montada na região e a defender uma ação efetiva contra os militantes do PCdoB. O outro é Sebastião Moura Rodrigues, o major Curió, que comandou as ações resultantes no extermínio dos guerrilheiros e as operações de ‘limpeza’ subsequentes. “Sebastião Curió se apresentou em Brejo Grande como sendo um comprador de terra. Visitou várias fazendas na área que depois passou a se chamar “OP 3”. Ele tinha outro nome. Quando começou a operação de “caça” aos “terroristas”, passou a ser conhecido como Major Curió. Eu morava em São Domingos do Araguaia, desde o dia 5 de janeiro de 1972, quando ouvi pronunciar esse nome a primeira vez”, lembra o padre Robert de Villecourt, que atualmente mora no interior de São Paulo.
“Meu contato foi indireto. Eu fazia um trabalho de evangelização com o Mano (Emmanuel Wambergue) e as Irmãs Dominicanas que moravam em Palestina ou em São Domingos, em toda a região que vai de Marabá à Porto da Balsa”, relata Villecourt.
Segundo ele, a OP 3 era uma área privilegiada do Curió. Foi lá que ele colocou em lotes de terra os que serviram de “guia do exército”. “O povo convidava a gente para celebrar missa ou batizar as crianças. Quando começava a celebração chegavam muitos carros do Exército que paravam na frente da capela ou da casa onde estávamos. Curió mandava reunir o povo e fazia distribuição de presentes para as crianças ou de alimento. O povo, por interesse ou por medo, deixava a capela e os religiosos terminavam a celebração sozinhos”, conta. Villecourt lembra que Curió explicava ao povo que havia dois tipos de padres: os “ortodoxos”, que seriam os verdadeiros, e os padres comunistas que apoiavam os terroristas. “Ele se apresentava como católico praticante, de comunhão diária. Convidava o capelão militar que vinha de Belém para celebrar e mobilizava o povo e todas as crianças das escolas da área”.
O método de Sebastião Curió era conhecido. “Ele estimulava a delação”, diz padre Villecourt. “Um vizinho tinha obrigação de vigiar o vizinho e denunciar se tinha algum contato com os padres. Assim, um dia, uma família amiga nos convidou para celebrar a missa. Quando chegamos lá não tinha ninguém. Vimos uma mulher escondida no quintal e nós a chamamos. Ela chegou, chorando, nos suplicando de sair o mais breve possível porque o Curió tinha dito que quem recebesse esses padres comunistas perderia o seu lote e seria preso e torturado”. Na memória, padre Villecourt traz o dia 1 de junho de 1972. Foi quando o método Curió foi exposto de forma clara. “Membros do Exército chegaram à casa das irmãs, em São Domingos e me pediram para acompanhá-los, junto com a Irmã Maria das Graças. Fomos de noite para o lugar chamado “a Metade” onde nos interrogaram e olharam umas fotos. Queriam nos identificar com os que eles chamavam de “terroristas”. No dia seguinte, levaram-nos, a irmã, eu e um lutador de circo, para a Palestina. Um tenente chamado Alfredo me acusou de ser comunista e me bateu de maneira muito violenta durante umas horas”.
A freira foi poupada fisicamente, mas não psicologicamente. “Ele não bateu na irmã, mas ameaçou, dizendo que em Araguatins tinha homens especializados em tortura de mulheres. Fomos amarrados que nem porcos e jogados num jeep. Fomos até Araguatins. Quando viram o carro do bispo que estava de passagem foram nos esconder numa outra rua. À noite nos levaram de volta para São Domingos. O pior foi depois: durante dois ou três anos fui vítima de denúncia, humilhação pública...uma tortura não física, mas psicológica, insuportável”, diz o padre. “Se ele mesmo praticou a tortura ou assassinou pessoas não posso afirmar. Sei que mais de 300 pessoas foram torturadas, algumas não voltaram mais para a casa e outros ficaram loucos”, afirma o padre. Segundo ele, Curió era ou ainda é, um homem duplo. “Pode ser extremamente simpático aparentemente, que se dizia inocente de tudo e acusava seus subalternos de ser a causa de todo mal. Ele mandava fazer o mal, mas quando o povo reclamava ficava aparentemente revoltado e prometia castigar seus maus empregados. Na conversa que tive com ele, negava tudo”. (Diário do Pará)

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