sexta-feira, 23 de março de 2012

A COSANPA E NÓS

Algo une moradores de periferia e moradores de condomínios horizontais e verticais na Região Metropolitana de Belém (RMB). A má qualidade da água. Existem atualmente na RMB cerca de 1.300 condomínios verticais e horizontais. Pelo menos 800 deles têm um sistema próprio de abastecimento de água, ou seja, possuem os próprios poços. São cerca de 900 mil pessoas que consomem água dessa forma. Se todos migrassem para o sistema da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), haveria um colapso na rede de distribuição de água.

“A rede não aguentaria a pressão”, diz o geólogo Francisco de Assis Matos de Abreu, 62 anos. Abreu sabe o que diz. Foi consultor do Banco Mundial em um trabalho que radiografou os sistemas de abastecimento em Manaus, Belém, Natal, Maceió e Fortaleza. “O banco queria ter um quadro geral do abastecimento de água, com os gargalos e possíveis soluções em termos de investimento”, diz.

Segundo o geólogo, também professor da Universidade Federal do Pará, a capacidade de abastecimento do Utinga, por exemplo, está com os anos contados. “Quinze anos, no máximo”, alerta. Há problemas graves na tubulação, que remontam, em alguns casos, aos anos 50 do século passado.

Além do problema específico da capacidade de abastecimento, insuficiente para suprir uma demanda cada vez maior, há uma situação ainda mais grave. Apenas 7% das residências na RMB possuem um tratamento sanitário adequado. “Tudo o que é dejeto vai para as fossas, sejam elas sépticas ou negras, que são aquelas em que se cava um buraco e se joga as fezes nele”, diz o professor.

Com isso, o risco de contaminação da água consumida em Belém é altíssimo. O exemplo mais claro disso está nos poços de abastecimento dos condomínios. Quase todos estão cavados a uma profundidade máxima de 40 metros. Às vezes até dez metros a menos que isso. Para que uma água seja captada de forma segura, os poços teriam de ter uma profundidade mínima de 250 metros, absorvendo as chamadas águas subterrâneas profundas. Não é o que costuma ocorrer.

Poços com 40 metros abarcam água que está facilmente em contato com os dejetos sanitários. O resultado não é complicado de se pensar. “Pelo menos 80% desses poços estão seriamente contaminados”, diz Francisco Matos de Abreu. A contaminação se dá por coliformes fecais e por todo o chamado ciclo de nitrogênio. “Desde o livre até o nitrato, que na forma mais evoluída desenvolve patologias cancerígenas”, alerta.

Um desses males é a ‘doença azul’, que acomete – e mata - crianças, principalmente bebês menores de seis meses de idade. Originada do consumo de água em bolsões com forte presença de nitrato, a ‘doença azul’ pode ser explicada, de forma simples, como uma diminuição da capacidade do sangue transportar oxigênio. Com isso, a criança pode sofrer asfixia, ficando com a pele azulada, especialmente ao redor de olhos e bocas.
Metade da água tratada se perde no caminho

As soluções não são imediatas e faltam recursos para implementá-las. Uma das ações defendidas por Abreu é o sistema de distribuição baseado em poços profundos de 250 metros a 280 metros, pelo menos, para áreas de redistribuição na Augusto Montenegro e Cidade Nova, por exemplo. “O tempo de vida útil de um poço bem feito é de 15 a 20 anos. Seria o tempo necessário para que, aos poucos, as tubulações antigas fossem substituídas”, afirma o geólogo.

Um poço com essas características produz 400 mil litros de água por hora e pode ser acionado por 18 horas. Seria o suficiente para abastecer 200 casas por hora, ou cerca de mil pessoas. “Pelo menos 30 mil pessoas poderiam ser abastecidas com um sistema desse tipo”, diz Abreu.

Por ora, a situação é difícil de ser resolvida. Segundo o pesquisador, metade da água que sai do reservatório do Utinga se perde no meio do caminho, seja por deficiência do sistema, ou pelo roubo feito por moradores, que fazem ‘gatos’ equivalentes aos que existem no sistema de energia elétrica. A Cosanpa admite a perda. “Quando falta água, o sistema puxa a água que está por perto e o que vem é água contaminada. Por isso, logo depois o que sai das torneiras é aquela água amarela. É contaminação pura, um caso de calamidade pública”, diz o geólogo.

Um olhar mais adequado por parte de governantes ou outros poderes políticos não parece ser provável. “Abastecimento de água é o exemplo de obra que não é fotogênica. Por isso os políticos não se interessam por ela”, sentencia o professor.

(Jornal diário do Pará)

Nenhum comentário: