sábado, 10 de abril de 2010

ÉTICA E RELIGIÃO

Ética e Religião


As religiões, com freqüência, não fazem distinção entre o plano ético e o plano religioso. Os costumes da tribo, as regras ou os princípios morais da casta são tão religiosos quanto os sacrifícios e as orações. Entre os dez mandamentos que Moisés deu aos hebreus (judeus) havia os que tratavam de religião: “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,3) e os relativos à ética: “Não matarás” (Ex 20,13). Incluem-se nos cinco pilares dos muçulmanos (credo, oração, esmola, jejum e peregrinação à Meca) tanto orar a Deus como doar esmolas aos pobres. Não há aqui distinção entre a ética e a religião. A noção do ser humano como uma criação divina implica que ele é responsável perante Deus por tudo o que faz: ritual, moral, social e politicamente. Pregadores religiosos, muitas vezes, iniciaram debates sobre assuntos especificamente éticos. Em geral, os profetas do antigo Israel atacavam os ricos e poderosos que observavam fielmente os rituais, mas pisoteavam os pobres. O ponto de vista moral desses profetas tinha, porém, uma justificativa religiosa.

Nas sociedades onde coexistem várias religiões e vários pontos de vista éticos é mais difícil vincular a ética exclusivamente à religião. As sociedades precisam ter suas linhas mestras éticas, sendo que algumas delas são preservadas nas leis. Os romanos foram os primeiros a criar, de maneira sistemática, um arcabouço legal que pudesse ser usado por todos os povos, independentemente da religião. O direito romano se tornou a base para todos os sistemas legais subsequentes nos Estados seculares modernos. Em certos países muçulmanos há dois sistemas agindo em paralelo: um baseado no Corão, outro no direito romano. Hoje, muitos países aceitam a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pelas Nações Unidas como uma afirmação ética comum, seja qual for a religião ou a perspectiva geral do país.

Um aspecto importante em todas as religiões é a irmandade entre seus seguidores. Formam-se tipos específicos de comunidades regulamentadas e são nomeados representantes para dirigir o culto religioso. No caso dos povos tribais, existe pouca, ou até mesmo inexiste uma divisão funcional especificamente religiosa. A tribo constitui uma estrutura social, política e religiosa e, com freqüência, o próprio chefe é também o sacerdote; contudo, há sociedades sagradas das quais só podem participar pessoas selecionadas. No Egito, na Grécia clássica e na Noruega dos vikings, a relação era simples: a religião era parte de uma cultura comum. Situação semelhante se vivia na Europa medieval, quando a Igreja católica tinha poder absoluto, ou então, nos dias de hoje, em certos países muçulmanos, onde os poderes religiosos e políticos pertencem a um líder nacional.

Nos lugares onde várias convicções religiosas devem conviver lado a lado, a questão da organização se torna mais complicada. Quando se funda uma nova religião, rompendo com as tradições locais do culto, forma-se uma nova congregação que estará em minoria, pelo menos no início. Foi essa a situação dos seguidores de Buda, de Maomé e de Jesus, e através da história tem sido o destino de todos os grupos que se libertaram das grandes religiões, criando suas próprias igrejas ou seitas. Nessas comunidades, o vínculo entre os membros é mais forte do que nas religiões estatais ou locais. Uma cerimônia religiosa, realizada logo após o nascimento, no caso da criança, ou após a conversão, no caso de adulto (como um novo nascimento), permite o ingresso na comunidade religiosa com o conseqüente compromisso de vida moral segundo os padrões éticos mais rígidos.

Excetuando-se algumas religiões primárias, a maioria possui “funcionários” próprios, com responsabilidade exclusiva pela formalidade do culto e por outras tarefas religiosas. Os padres/pastores, os líderes de culto e os curandeiros tem deveres religiosos diferentes, mas todos eles desfrutam de um status superior especial. Os sacerdotes também costumam agir como líderes da organização de seu rebanho, podendo pertencer a uma entidade maior, comandada por um bispo (ou arcebispo). Determinadas organizações (como a Igreja Católica Romana) são rigidamente estruturadas em linhas internacionais (universal) e contam com um líder absoluto (Papa). Outras igrejas podem atuar no plano nacional (como a da Noruega) ou no plano da congregação local (como o Pentecostalismo).

A religião nunca é vinculada apenas ao intelecto. Ela envolve igualmente as emoções, que são tão essenciais na vida humana quanto o intelecto e a capacidade de pensar. A música, o canto a dança apelam para as emoções. Na maioria das religiões, as pessoas extravasam, pela música instrumental e pelo canto, a tristeza ou a alegria; em algumas, também pela dança, que é um meio bastante antigo de expressão religiosa. Nos rituais cristãos, os hinos cantados em coro e a música de órgão (teclado) são parte integrante da experiência geral. Muitas igrejas e templos contêm, ainda, obras de arte - pinturas, esculturas e peças de altar- que tocam a imaginação e as emoções.


América Latina: origens do ethos religioso


As civilizações ou grupos humanos se organizam em torno de um núcleo ético-mítico que se traduz em valores fundamentais do grupo. A ameríndia nasceu do choque entre a civilização, o ethos e o núcleo ético indígena e hispânico. Com mais recursos técnicos, o ethos do conquistador se impôs rapidamente; o ethos do conquistado e sua cosmovisão do mundo sobreviveram na consciência dos povos subjugados em toda a América Latina. Tornou-se um ethos do sofrimento e da resignação; porém, ao mesmo tempo, profundamente religioso. Muito provavelmente, a religião forjou um ethos da resistência que é também um ethos da consciência comunitária e histórica que se manifesta no modo de viver, de comer, de relacionar-se, de trabalhar, de valorizar a convivialidade, de falar com personalidade própria, de rezar e de confiar em Deus1. É por isso que o homem latino-americano tem veneração especial pelo Cristo ensangüentado, humilhado e surrado, pois vê nele a imagem desfigurada de seu próprio destino, como lembra Pablo Neruda: “isso explica os terríveis ‘Cristos espanhóis’ que nós herdamos com chagas e tudo, com pústulas, com cicatrizes, com cheiro de velas... para fazê-los homens, para aproximá-los mais dos que sofrem... para fazê-los humanos os dotaram de horripilantes chagas... tudo se converteu em religião do suplício”2.

As esculturas de Cristo na América Latina trazem as marcas do sofrimento do povo: profundas feridas, sangue, espinhos, dor, tristeza profunda em seus olhos. O “Senhor da Paciência”, de São Tiago de Xicotengo, sentado, vencido, com a cabeça apoiada na mão e no braço sobre o joelho é o Cristo sofredor que não oculta a dor, mas a representa. Pode-se ver nessa imagem do Cristo a expressão do sofrimento, mas também uma recusa dessa situação: um clamor por justiça. O Cristo do dolorismo cristão latino-americano é um Cristo bem diferente do Cristo Ressuscitado, triunfante, com os olhos pacíficos, o Pantocrator dos mosaicos bizantinos.

A América Latina está marcada pelo surgimento, nas últimas décadas, de novos movimentos religiosos à margem das grandes religiões. São grupos que possuem cosmovisão original, crenças peculiares e práticas religiosas próprias. Muitas vezes, seguem uma via espiritual não conformes às instituições religiosas estabelecidas e às grandes tradições religiosas mundialmente reconhecidas. Muitos desses agrupamentos se distinguem por utilizarem técnicas de persuasão coercitiva e controle mental, para conseguir a total submissão dos indivíduos.

São agrupamentos de tendência sectária e, por isso mesmo, de caráter alienante. Fervilham as tendências sectárias, esotéricas, gnósticas, espiritualistas, teosóficas, antroposóficas, orientais, fundamentalistas, milenaristas e nova era. Destacam-se aí, os pentecostais com seu evangelismo eletrônico, proliferação de templos, teologia da prosperidade e guerra santa contra os “demônios das outras religiões”. Exemplo de neo-religiões nativas ou importadas: Fraternidade Eclética Espiritualista Universal, Santo Daime, Seicho-no-iê, Perfect Liberty, Igreja Messiânica, Pentecostais, Fé Bahai, Hare Krishna e Sufismo3.

Notam-se, nessas tendências, traços característicos, tais como: despertar religioso; volta ao sagrado num mundo altamente secularizado, mas ao mesmo tempo, deslocamento do sagrado em forma de sincretismo com afiliações múltiplas de crenças contraditórias; consumismo religioso, especialmente em forma de terapias religiosas (curas) para os males físicos, psíquicos e, sobretudo, econômicos; alternativa que “salva” dos problemas e proporciona segurança e comunicação. Notam-se, também, alguns modelos de expressão religiosa, tais como: modelo psicopatológico, seita organizada por um visionário/psicopata capaz de afiliar a si outros dos mesmo padrão mental; modelo contratual, mercado religioso da oferta do espiritual e oferta de libertação, surgido como resultado da interação entre um grupo de pessoas que progressivamente vai estabelecendo laços mais estreitos, com intercâmbio de recompensas e ideais que desembocam numa “nova cultura”.

Quanto à doutrina, em geral é a mais simples e objetiva possível. A crença dos adeptos se reforça pela fidelidade à letra, pela interpretação fundamentalista e pelo sincretismo. As práticas e os costumes são marcados pelo rigorismo, ascetismo, obediência e submissão. Os novos movimentos religiosos chegaram à cultura popular. Sem dúvida, o povo é por excelência religioso. Esses movimentos se constituem de solidariedade simbólica, não racional, mas sempre capazes de suscitar comunhão emocional suscetível de alterar as consciências individuais. Em meio ao povo, o indivíduo encontra sua salvação através do outro, no discurso do outro que traz ao mundo, seja qual for o nome do outro.

Cabe aqui, pois uma crítica: hoje, parece que o mundo se transformou numa grande “vitrine” religiosa ou num “supermercado” da fé. Na América Latina, em especial, os novos movimentos religiosos encontram terreno fértil em virtude da carência de todas as ordens pelas quais passa o povo. Esses movimentos ou religiões apresentam soluções para os problemas do dia-a-dia (doenças, desemprego, pobreza, relações sentimentais mal assumidas) como sendo questões de possessão diabólica aparentemente solucionáveis com “passes” e sessões de exorcismos. São também as ideologias e a mentalidade da “prosperidade”, da religião como consumo, do dinheiro como símbolo de “salvação”, promovendo uma experiência religiosa descompromissada com a realidade da vida ameaçada.

Porém, a consciência cristã (a América Latina é essencialmente cristã) é assumida na fé, portanto, é também uma consciência religiosa. O povo sofrido é, ao mesmo tempo, um povo crente. Assim, a religião desvela a existência de uma ética da alteridade, que por reconhecer o outro como igual, semelhante, julga injusto e contrário à vontade de Deus o mal que aniquila o homem. De fato, a religião – o Cristianismo de modo particular – preconiza uma ética alterativa não advinda de uma moral ôntica da consciência privada da totalidade fundada e firmada imoralmente, mas originária do respeito pelo outro, e fundada no amor e na justiça.

Ronaldo Muñoz4 afirma que a experiência de Deus se realiza na história concreta do povo. Os sinais de sua presença estão na vida, no empenho solidário e na esperança. Deus não se confunde com a história, mas nela penetra com sua ação salvadora, como fez no cativeiro do Egito e como fez Jesus na história de seu tempo e dali para todos os tempos e para todos os homens. A experiência de Deus que é uma experiência religiosa é, ao mesmo tempo, uma experiência profundamente humana. O Deus da vida só pode inspirar uma ética da vida e da justiça. Assim, o eixo semântico da fé professada pelos cristãos na América Latrina tem como núcleo a experiência do Deus do Êxodo e de Jesus Cristo libertador dos mais pobres e excluídos.

Nesse ponto, Küng5 vislumbra um futuro de responsabilidade. Essa responsabilidade obriga ao imperativo de aprender a pensar em inter-relações globais, especialmente com o meio ambiente, isto é, sobreviver como pessoas numa terra habitável. Então, o critério último da ética foi e continuará sendo hoje, mais que ontem, a pessoa humana. Ele pensa também uma ética mundial advinda de um concerto (polifônico) entre as religiões que apontam Deus como valor máximo Absoluto. Isso porque “as religiões exigem determinados padrões não negociáveis, propõem normas éticas fundamentais e máximas orientadoras que são fundamentadas a partir de um absoluto; as religiões conseguem transmitir uma dimensão mais profunda, um horizonte interpretativo mais abrangente face a dor, a injustiça, a culpa e a falta de sentido para viver. Também consegue transmitir um sentido último de vida ante a morte: o sentido de onde vem e para onde vai a existência humana; as religiões conseguem garantir os valores mais elevados, as normas mais incondicionais, as motivações mais profundas e os ideais mais sublimes; as religiões conseguem criar uma pátria de confiança, de fé, de certeza, de fortalecimento do eu, do abrigo e da esperança: uma comunidade e uma pátria espiritual; as religiões podem fundamentar protesto e resistência contra situações de injustiça e colocar-se a serviço de um projeto de transformação; as religiões podem oferecer motivações éticas extraídas de tradições e valores perenes; as religiões conseguem falar ao coração das pessoas individuais, interpelando-as a favor de causas justas, nobres, altruístas”6.

Quando a razão busca até o fim, encontra na raiz dela o afeto que se expressa pelo amor e, acima dela, o espírito que se manifesta pela espiritualidade. E no termo final de sua busca encontra o mistério. Mistério não é o limite da razão, mas o ilimitado da razão. Por isso, o mistério continua mistério em todo conhecimento que se sente desafiado a conhecer sempre mais. A razão científica nos ratifica esse percurso. Ela começou com a matéria, chegou aos átomos, desceu aos elementos sub-atômicos, à energia e aos campos energéticos, ao campo de Higgs, origem de todos os campos, ao big-bang, há 15 bilhões de anos, para terminar no vácuo quântico, que é o estado de energia de fundo do universo, aquela fonte alimentadora de tudo o que existe, misteriosa e inominável, que o conhecido cosmólogo Brian Swimme identifica como presença de Deus.

Concretamente o mistério é o outro. Por mais que se queira conhecê-lo e enquadrá-lo, ele sempre se retrai para um mais além. Ele é mistério desafiador que nos obriga a sair de nós mesmos e a nos posicionar diante dele. Quando o outro irrompe à minha frente, nasce a ética, porque o outro me exige uma atitude prática, ou de acolhida, ou de indiferença ou de rechaço. O outro significa uma “pro-posta” que pede uma “res-posta” com responsabilidade O ethos que ama funda um novo sentido de viver. Amar o outro é dar-lhe razão de existir. O existir é pura gratuidade, pois não há razão para existir. Amar o outro é querer que ele exista porque o amor faz o outro importante. “Amar uma pessoa é dizer-lhe: tu não morrerás jamais; tu deves existir, tu não podes morrer” (G. Marcel). Somente esse ethos que ama está à altura dos desafios atuais porque inclui a todos. Faz dos distantes, próximos, e dos próximos, irmãos e irmãs. E por isso, tudo o que amamos, cuidamos.
O que pode-se observar que toda religião segue o modelo vigente no mundo globalizado, todas sem exceção são capitalistas umas mais outra menos, é um tal de me dá me dá sem fim, "em nome de JESUS ou do SENHOR".

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