terça-feira, 3 de dezembro de 2013

UMA JUSTIÇA/COPIANDO UM MESTRE

Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?

Por Leonardo Boff, em seu blog
01/12/2013


Tradicionalmente a Justiça é representada por
uma estátua que tem os olhos vendados 
para simbolizar a imparcialidade e a objetividade;
a balança, a ponderação e a equidade; e a
espada, a força e a coerção para impor o veredito.

Ao analisarmos o longo processo da Ação Penal 470
que julgou os envolvidos na dita compra
de votos para os projetos do governo do PT,
dentro de uma montada espetacularização
mediática, notáveis juristas, de várias tendências,
criticaram a falta de isenção e o caráter político
do julgamento.

Não vamos entrar no mérito da Ação Penal 470
que acusou 40 pessoas. Admitamos que
houve crimes, sujeitos às penas da lei. Mas
todo processo judicial deve respeitar as duas
regras básicas do direito: a presunção da
inocência e, em caso de dúvida, esta deve
 favorecer o réu.

Em outras palavras, ninguém pode ser condenado
senão mediante provas materiais consistentes;
não pode ser por indícios e ilações.
Se persistir a dúvida, o réu é beneficiado
para evitar condenações injustas. A Justiça
como instituição, desde tempos imemoriais,
foi estatuída exatamente para evitar que o
justiciamento fosse feito pelas próprias mãos
e inocentes fossem injustamente condenados
mas sempre no respeito a estes dois princípios fundantes.

Parece não ter prevalecido, em alguns Ministros
de nossa Corte Suprema esta norma básica
do Direito Universal. Não sou eu quem o diz, mas
notáveis juristas de várias procedências.
Valho-me de dois de notório saber e pela alta
respeitabilidade que granjearam entre seus pares.
Deixo de citar as críticas do notável jurista
Tarso Genro por ser do PT e Governador do
Rio Grande do Sul.

O primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos,
jurista, autor de dezenas de livros, Professor
da Mackenzie, do Estado Maior do Exército
e da Escola Superior de Guerra. Politicamente
se situa no pólo oposto ao PT sem sacrificar
em nada seu espírito de isenção.
No da 22 de setembro de 2012 na FSP,
numa entrevista a Mônica Bérgamo, disse
claramente com referência à condenação
de José Dirceu por formação de quadrilha:
todo o processo lido por mim não contém
nenhuma prova. A condenação se fez por
indícios e deduções com a utilização de uma
categoria jurídica questionável, utilizada
no tempo do nazismo, a “teoria do domínio do fato.”

José Dirceu, pela função que exercia “deveria saber”.
Dispensando as provas materiais e
negando o princípio da presunção de
inocência e do “in dubio pro reo”, foi
enquadrado na tal teoria. Claus Roxin, jurista
alemão que se aprofundou nesta teoria,
em entrevista à FSP de 11/11/2012 alertou para
o erro de o STF tê-la aplicado sem amparo
em provas. De forma displicente, a Ministra
Rosa Weber disse em seu voto:
"Não tenho prova cabal contra Dirceu –
mas vou condená-lo porque a literatura
jurídica me permite”. Qual literatura jurídica?
A dos nazistas ou do notável jurista do
nazismo Carl Schmitt?  Pode uma juíza
do Supremo Tribunal Federal se permitir
tal leviandade ético-jurídica?

Gandra é contundente: "Se eu tiver a prova
material do crime, não preciso da teoria
do domínio do fato para condenar”.
Essa prova foi desprezada. Os juízes
ficaram nos indícios e nas deduções.
Adverte para a “monumental insegurança
jurídica” que pode a partir de agora vigorar.
Se algum subalterno de um diretor cometer
um crime qualquer e acusar o diretor, a este
se aplica a “teoria do domínio do fato
” porque “deveria saber”. Basta esta
acusação para condená-lo.

Outro notável é o jurista,
Antônio Bandeira de Mello, 77,
professor da PUC-SP, na mesma FSP
do dia 22/11/2013, assevera:
"Esse julgamento foi viciado do
começo ao fim. As condenações
foram políticas. Foram feitas porque
a mídia determinou. Na verdade,
 o Supremo funcionou como a
longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva”.

Escandalosa e autocrática, sem consultar
seus pares, foi a determinação do
 Ministro Joaquim Barbosa. Em princípio,
os condenados deveriam cumprir a pena
o mais próximo possível das residências deles.
“Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello
– “ou da família pediria que o presidente
do Supremo fosse processado.
Ele parece mais partidário do que um
homem isento”. Escolheu o dia 15 de novembro,
feriado nacional, para transportar para Brasília,
de forma aparatosa num avião militar,
os presos, acorrentados e proibidos de
se comunicar. José Genuino,
doente e desaconselhado de voar, podia
correr risco de vida. Colocou a todos em
prisão fechada mesmo aqueles que estariam
em prisão semi-aberta. Ilegalmente prendeu-os
antes de concluir o processo com a análise
dos “embargos infringentes”.

O animus condemnandi (a vontade de condenar)
e de atingir letalmente o PT é inegável nas atitudes
açodadas e irritadiças do Ministro Barbosa.
E nós tivemos ainda que defendê-lo contra
tantos preconceitos que de muitas partes
ouvimos pelo fato de sua ascendência
afrobrasileira. Contra isso afirmo sempre:
“Somos todos africanos” porque foi lá
que irrompemos como espécie humana.
Mas não endossamos as arbitrariedades
deste Ministro culto mas raivoso.
Com o Ministro Barbosa a Justiça ficou sem
as vendas porque não foi imparcial,
aboliu a balança porque ele não foi equilibrado.
Só usou a espada para punir mesmo contra
os princípios do direito. Não honra seu cargo
e apequena a mais alta instância jurídica da Nação.

Ele, como diz São Paulo aos Romanos,
"aprisionou a verdade na injustiça” (1,18).
A frase completa do Apóstolo, considero-a dura
demais para ser aplicada ao Ministro.

Leonardo Boff foi professor de Etica na 
UERJ e escreveu Etica e Moral:
 em busca dos fundamentos e dezenas de outros livros.

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