quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Estudo resgata memória da Guerrilha do Araguaia

A gente não se sente só traumatizado, mas se sente vítima... Porque a gente nem sabia o que estava acontecendo. Eles [os militares do alto escalão] diziam que eram guerrilheiros financiados por Cuba, pela China, treinados por outros países para virem tomar o Brasil, era essa a informação que nós tínhamos dos comandantes generais. Então, a gente ia fazer aquilo com orgulho, pensando que tava defendendo o Brasil de uma invasão estrangeira. A gente ia pro tudo ou nada, eles diziam: se eles tomarem o País, a tua família vai ser sacrificada. Aquilo era uma maneira deles levantarem o brio do soldado, a moral do soldado.”

O depoimento acima pertence a Dorimar, soldado que lutou na Guerrilha do Araguaia, movimento desencadeado entre as décadas de 60 e 70, que teve como propósito fomentar uma revolução socialista no Brasil, às margens do rio Araguaia, nas proximidades das cidades de São Geraldo e Marabá, no Pará, e de Xambioá, no norte de Goiás, região onde, atualmente, é o norte do Estado de Tocantins, também conhecida como Bico do Papagaio. De um lado, os guerrilheiros, que lutavam contra a Ditadura Militar no País, de outro, o exército, defendendo a Pátria. Ao redor de tudo isso, o povo da região, que, sem entender direito o que se passava, foi vigiado, coagido e, muitas vezes, torturado em diversas situações.

ARQUIVO

O depoimento de Dorimar, juntamente com o de outros soldados, bem como o de guerrilheiros, de moradores da região do Araguaia e de familiares dos ex-combatentes do movimento compõem o acervo analisado pela pesquisa “O arquivo da memória social das lutas camponesas no Pará”, produzida por Adriana Coimbra, graduada em História pela Universidade Federal do Pará e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). O relato soma mais de 80 horas de entrevistas coletadas na região de Xambioá, em um período de dois anos, pelo Grupo de Trabalho do Tocantins (GTT), formado por pesquisadores do Emílio Goeldi dedicados a estudar a Guerrilha do Araguaia e os eventos decorrentes desse importante fato histórico.

A pesquisa integra o Projeto “Arquivo da Memória Social da Guerrilha e da Guerra que Veio Depois”, coordenado pelo professor da área de Antropologia da UFPA, Rodrigo Peixoto. “O Projeto objetiva reunir vídeos com entrevistas de pessoas que viveram a experiência da Guerrilha e da repressão que se seguiu, com perseguições, ameaças, assassinatos de lideranças sindicais e de religiosos ligados à Teologia da Libertação”, explica Rodrigo. De acordo com o professor, a importância da iniciativa reside no fato de que “a Guerrilha é um episódio seminal na história da região, no entanto não está incluída nos currículos escolares das escolas públicas, de modo que sua memória, embora viva, continua reprimida socialmente.”

A partir da análise dos depoimentos coletados, que resgatam a memória do movimento, o objetivo da investigação é identificar qual foi a importância histórica, política e social da Guerrilha, como ela mexeu com o cotidiano das cidades envolvidas e quais as representações simbólicas criadas pelos sobreviventes e pelos herdeiros das consequências dessa revolta que deixou muitos mortos, torturados e desaparecidos.

Por meio de uma parceria firmada entre o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Arquivo Nacional, a pesquisa de Adriana Coimbra foi integrada ao Projeto “Memórias reveladas”, do governo federal – Ministério da Justiça, o qual prevê que seja criada uma rede de arquivos sediados em vários lugares do Brasil, tendo como denominador comum o intuito de revelar fatos ocorridos durante o período de Ditadura Militar. O material coletado pelo GTT, ou seja, todas as mais de 80 horas de entrevistas em áudio e vídeo com ex-combatentes e moradores da região do Araguaia será disponibilizado no site www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br a partir do mês de março. (ASCOM UFPA)

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