quarta-feira, 31 de março de 2010

A GUERRILHA DO ARAGUAIA

Guerrilha do Araguaia

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A Guerrilha do Araguaia é o título consagrado de um conjunto de operações guerrilheiras ocorridas durante a década de 1970 e promovidas por grupos contrários ao regime militar em vigor no Brasil.
O movimento foi organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), oriundo de uma cisão no Partido Comunista Brasileiro (PCB), na ilegalidade, entre 1966 e 1974. Por meio de uma guerra popular prolongada, os integrantes do PCdoB pretendiam combater o governo militar e implementar uma revolução de caráter socialista no Brasil, iniciando o movimento pelo campo, à semelhança do que já ocorrera na China (1949).
O palco de operações se deu na área em que os estados de Goiás, Pará e Maranhão faziam fronteira. O nome foi dado à operação por se localizar às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo e Marabá no Pará e de Xambioá, no norte de Goiás (região onde atualmente é o norte do Estado de Tocantins, também denominada como Bico do Papagaio).
Estima-se que participaram em torno de setenta a oitenta guerrilheiros sendo que, destes, a maior parte se dirigiu àquela região em torno de 1970. Entre eles, o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno, que foi detido pelo Exército em 1972.
Preparação do Exército
Na época as Forças Armadas iniciaram um estudo para efetuar as operações antiguerrilha. Estas foram envolvidas de um planejamento executado em sigilo e que durou em torno de dois anos. Segundo os militares, era indesejável a eclosão de outros movimentos semelhantes em outras regiões do Brasil, pois isto ocasionaria uma eclosão de violência na região rural, o que poderia vir a gerar uma desestabilização do poder imposto.
Censura
Na época em que Emílio Garrastazu Médici era presidente do Brasil, as operações militares foram executadas de maneira sigilosa e era proibida a divulgação da existência de um movimento guerrilheiro no interior do país. Portanto, devido à censura, nunca foi autorizada a publicação de detalhes sobre a guerrilha e sempre se afirmou que os documentos da operação haviam sido destruídos. No entanto, durante as polêmicas ocasionadas no governo Lula em relação à abertura de arquivos do período militar, foi descoberto que boa parte dos materiais foi preservada (ver seção Documentos que restaram).
Ernesto Geisel, após assumir o comando do governo do Brasil, também não autorizou a divulgação da existência de tal guerrilha, ficando desta forma a população brasileira alheia ao conhecimento dessa movimentação. Por isso, a única menção feita por Geisel a respeito da existência de um movimento guerrilheiro no interior do Brasil se deu em 1975.
Mobilização
Para combater os guerrilheiros do PCdoB, houve a mobilização de cinco mil soldados brasileiros, em três fases distintas que se prolongaram até 25 de dezembro de 1974, data em que o movimento insurgente foi definitivamente extinto. Os soldados brasileiros que participaram das operações iniciais desconheciam a sua missão e foram comandados pelo general Antônio Bandeira.
Teatro de operações, comandantes militares e líderes guerrilheiros
Para preparar o teatro de operações, o comandante mandou construir uma rodovia com cerca de 30 km de extensão. Segundo os militares ela era necessária para que fosse executado o deslocamento de tropas. A área dominada pelos guerrilheiros abrangia em torno de sete mil quilômetros quadrados, indo da cidade de Xambioá até no sul do Pará, nas proximidades de Marabá.
O general Olavo Viana Moog exerceu o comando tático das operações e o general Hugo Abreu também comandou ações para pôr fim ao movimento.
Do lado da guerrilha, os principais comandantes foram Maurício Grabois e João Amazonas, que eram oriundos do PCB e que haviam sido presos na década de 1930 durante a imposição do Estado Novo.
Identidades e atividades preparatórias da guerrilha
Por uma questão de segurança do grupo, os guerrilheiros não tinham identificações. Seus nomes nunca eram revelados, usando desta forma nomes e identificações falsas. Sabe-se porém, que muitos eram estudantes e profissionais liberais que haviam participado de manifestações (passeatas) contra o regime na década de 1960. Sabe-se por relatos dos poucos que sobreviveram que muitos tinham sido torturados e presos anteriormente pelo regime por não concordar com uma ditadura comandando o Brasil.
Um dado importante é que a grande maioria dos guerrilheiros, em torno de 70%, eram oriundos da classe média, que tinham profissões liberais como médicos, dentistas, advogados e engenheiros. Havia também bancários e comerciários.
Sabe-se que menos de 20% eram camponeses, e que estes eram recrutados na região do Araguaia. A quantidade de operários que participavam do movimento guerrilheiro mal chegava aos 10% do total. Em média, a idade predominante era em torno de trinta anos.
Na medida em que iam chegando à região, adquiriam a confiança dos moradores agindo como agricultores, farmacêuticos, curandeiros, pequenos comerciantes, donos de pequenas vendas de beira de estrada, além de outros tipos de ocupações comuns no interior do Brasil.
Nunca conversavam entre si, e nunca moravam próximos uns dos outros. Integravam-se às comunidades onde agiam, participando de todos os eventos, sendo desta maneira absorvidos por estas. Não atuavam e não influiam nas políticas locais, não se envolviam em discussões políticas para evitar o despertar de desconfianças. Suas atividades principais se baseavam no ensino do trabalho comunitário, voluntariado e assistencialismo. Quando podiam, ajudavam os moradores com medicina, odontologia, ajudavam nas escolas, davam aulas, ensinavam a população como organizar e realizar mutirões.
Agindo da forma descrita, aos poucos o grupo foi ganhando respeito e admiração da população local.
O desenvolvimento das operações
O Exército Brasileiro descobriu a localização do núcleo guerrilheiro em 1971 e fez três investidas contra os rebeldes. As operações de guerrilha iniciaram-se efetivamente em 1972, tendo oferecido resistência até março de 1974.
Em janeiro de 1975 as operações foram consideradas oficialmente encerradas com a morte ou detenção da maioria dos guerrilheiros.
Em 1976 ocorreu a chamada Chacina da Lapa quando foram executados os últimos dirigentes históricos do PCB. João Amazonas, na ocasião, se encontrava na Albânia.
A questão do Araguaia (guerrilha)
Em 1971, ocorreu uma manifestação concreta de ação militar no Brasil, onde o Exército Brasileiro enfrentou sua maior prova, na região de Xambioá, norte do antigo estado do Goiás, (hoje Tocantins). Lá formou-se um quadrante de ação operacional, seguido de encasamento de tres divisões clássicas de combate por quadrantes menores, ou seja a formação de 3 batalhões de 21 soldados de 3 pelotões de 7 soldados, totalizando 63 componentes.
O líder de cada grupo de 7 soldados, desconhecia as ordens do comandante do batalhão de 21, que desconhecia a formação e identificação dos demais batalhões, assim a pirâmide de autoridade seguia uma linha de formação utilizada na guerra colonial da Argélia, perdida pelos franceses e pela legião estrangeira.
A formação dos líderes principais era universitária (médicos e engenheiros), sendo desconhecida então pela inteligência do exército. Contudo, os guerrilheiros tentavam conquistar a população com atitudes assistencialistas, posto que o estado era ausente na região.
Após um ano de atuação os grupos lá estacionados, já julgavam possuir condições de articulação da população em curto período com mobilização para defesas, baseadas nas táticas empregadas por Ho Chi Min no Vietnã.
O trabalho da inteligência do exército foi bem executado, mas inicialmente faltaram os efetivos operacionais necessários à repressão.
O chefe da agência do SNI na época Gal. João Batista Figueiredo determinou o imediato fechamento da área e início das operações militares.
Porém, o que encontrou foi guerrilheiros e guerrilheiras que, há mais tempo instalados, conheciam a região. As tropas do governo, por sua vez, recorreram à orientação de "mateiros" nativos da região, que ajudaram na guia das patrulhas. Promoveram também ações assistencialistas para ganhar apoio da população. Durante 14 meses, num jogo de gato e rato na selva, os guerrilheiros conseguiram se furtar à presença dos militares, em meio a choques esporádicos e baixas eventuais.
Porém, em 1973 entra em cena um assessor militar do mais alto gabarito, nessas questões, o Coronel H. da Fonseca do Exército Português, veterano da Guerra do Ultramar Português que veio formar o primeiro batalhão de infantaria de selva, utilizando-se dos métodos de disciplina da legião estrangeira e alguns métodos alemães.
Em 1974 com ataques combinados, Força Aérea, infantaria e pára-quedistas, a primeira grande ofensiva apresentou sucesso do lado do Exército Brasileiro, cujas tropas na ocasião foram lideradas pelo General Hugo Abreu, comandante da Brigada Pára-Quedista e veterano da Força Expedicionária Brasileira.
Todavia sabe-se que a ofensiva valeu-se de aproximadamente 18.000 soldados do Exército e da Aeronáutica, com apoio das Polícias Militares estaduais. A guerrilha cessou.
As baixas
Pelo lado do exército, estima-se que pereceram dezesseis soldados. O balanço oficial à época, indicava sete guerrilheiros mortos. Em 2004, o Ministério da Justiça brasileiro contabilizava sessenta e um desaparecidos.
Segundo testemunhos, a maioria dos guerrilheiros capturados foi torturada antes de ser executada, e os seus corpos ocultados, numa espécie de operação limpeza promovida pelos militares a partir de 1975.
A operação limpeza
Sabe-se que, após 1975, foi realizada na região uma espécie de operação limpeza, que durou até meados de 1978, com a finalidade de eliminar focos de militantes remanescentes na região. Os militares, para evitar a disseminação do movimento e mantê-lo encerrado em limites específicos, se utilizaram das chamadas táticas de combate à guerra revolucionária. Um dos métodos utilizados era o espalhamento de cartazes em diversos pontos das cidades, tais como bancos, aeroportos, terminais rodoviários etc. Os cartazes eram formados com retratos de opositores do regime procurados e com mensagens que incitavam a população a delatá-los. Normalmente, os cartazes possuiam fotografias dos procurados que eram integrantes dos grupos de ação armada.
Médici mandou editar uma série de decretos secretos cuja finalidade era o combate aos guerrilheiros sob a evocação da segurança nacional. Os textos de tais decretos, porém, jamais foram conhecidos.
Osvaldão
Dentre os muitos nomes envolvidos na Guerrilha do Araguaia destaca-se o de Osvaldo Orlando da Costa, militante do PCdoB que chegou à região em 1966 com a missão de organizar a guerrilha rural.
Em um encontro repentino, Osvaldão matou um soldado na mata e participou da execução de um morador.
Em 4 de fevereiro de 1974, enquanto abria uma trilha no mato, Oswaldão deparou-se repentinamente com uma patrulha do Exército, pela qual foi alvejado no peito, no momento exato em que abria os braços para afastar o mato da sua frente. Em seguida, o corpo foi arrastado pela mata e içado de cabeça para baixo por uma corda presa a um helicóptero.
Dizem alguns que, para ter certeza de que "o morto estaria realmente morto", ao chegar a grande altura, teriam soltado e arremessado o corpo de Osvaldão ao solo, sendo em seguida apanhado, amarrado novamente à aeronave e levado para ser exibido aos camponeses como um troféu.
A Ação Judicial
Um processo foi instaurado contra a União, em 1982, por vinte e dois parentes de vítimas, que por meio dele pediram à Justiça que o Exército brasileiro apresentasse documentos para que pudessem obter atestados de óbito.
Em 22 de Julho de 2003, o Diário da Justiça publicou a decisão da juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, ordenando a quebra de sigilo das informações militares sobre a Guerrilha do Araguaia, dando um prazo de 120 dias à União para que fosse informado onde se encontram sepultados os restos mortais dos familiares dos autores do processo, assim como rigorosa investigação no âmbito das Forças Armadas brasileiras.
Em 27 de Agosto de 2003, a Advocacia-Geral da União apelou da sentença que determinou de abertura dos arquivos, embora reconhecesse o direito dos autores de tentar localizar os restos mortais de seus familiares desaparecidos. Baseado em argumentos puramente processuais, especialmente questionando o curto prazo imposto na sentença para a apresentação de resultados, o recurso da AGU foi severamente criticado por organizações de defesa dos direitos humanos, familiares dos desaparecidos e por integrantes da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Pressionado e sensibilizado, o governo Lula criou em 3 de Outubro de 2003 uma comissão interministerial para localizar restos mortais. Esta comissão solicitou os documentos, sendo informada de que os mesmos não existiam.
Atualmente, o processo se encontra no Superior Tribunal de Justiça, em fase de recurso especial, não tendo sido cumprida até hoje a decisão da juíza de primeiro grau.

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