quarta-feira, 30 de setembro de 2009

INTRODUÇÃO

A Revolução de 1964 enquadra-se dentro da situação política mundial pós Segunda Guerra, auge da Guerra Fria, quando EUA e URSS atuavam no sentido de ampliar suas áreas de influência em todos os quadrantes do mundo. A estratégia era apoiar grupos políticos rivais dentro de uma nação e através da possível vitórias destes, submeter os governantes, alçados ao poder, ao atendimento de seus interesses.

O Golpe Militar de 64 se insere nesse processo. Os Estados Unidos apoiaram a Revolução contra João Goulart (Jango) que supostamente era um simpatizante soviético. Indícios e provas sobre o apoio dos EUA não faltam. Hoje, sabemos que o embaixador americano, Lincoln Gordon e o adido militar, coronel Vernon Walters, atuaram ativamente nas decisões que antecederam o 31 de março.

Diversos documentos comprovam que Gordon sabia da existência de uma operação para dar apoio à revolução, caso houvesse uma resistência. A operação tinha o nome de Brother Sam.

Como parte desse acordo podemos relatar os vários encontros realizados sigilosamente entre militares e diplomatas brasileiros e americanos com o intuito de tratar de segurança e de cooperação industrial e militar e os vários contratos de compra de material bélico assinados pelo Brasil no exterior.

Não podemos, ainda, esquecer, a contribuição substancial da Igreja, com a campanha anticomunista do padre Patrick Peyton, que ao lançar a Cruzada do Rosário em Família promoveu uma intensa mobilização dos católicos, vizando atingir o governo constituído. As pregações do padre Peyton influenciaram na ação de senhoras da classe média, que de rosário nas mãos, conturbaram um comício de Leonel Brizola em Belo Horizonte e o Comício da Central do Brasil promovido pelo governo, Jango, no Rio.

Multidões de pessoas saiam em manifestações chamadas Marcha da Família com Deus pela liberdade que acabaram por conquistar as camadas médias da sociedade e engrossaram as manifestações de repúdio, ao governo vigente.

Em 01 de abril de 1964 o Brasil acordou sob novo regime. Um golpe, liderado por militares e os setores conservadores da sociedade brasileira, depuseram o presidente João Goulart (Jango) e deram início a um regime ditatorial que sufocou o país por 21 anos.

Sufoco relativo se compararmos aos dias atuais e aos anteriores à Revolução. Os governos populistas, apesar das promessas e feitos, não eram isentos de vícios: nepotismos, privilégios, falcatruas, empobrecimento das camadas populares e arrocho sobre as camadas médias, aumento da dívida externa e da inflação, etc.

Era ruim, ficou pior após o golpe e hoje está péssimo: Conchavos políticos, corrupção, desemprego, saques, assaltos a bancos, falta de segurança interna, disfarçado abandono dos hospitais e escolas públicas, dívida externa astronômica; endividamento público correspondente a 60% do PIB; falsos índices de inflação; arrocho fiscal e salarial; cumplicidade cínica e espoliativa com organismos financeiros internacionais e vai por aí a fora.

1964 – REVOLUÇÃO OU GOLPE ?
A QUEDA DE JOÃO GOULART

Vetado pelos ministros militares, odiado pelos conservadores, que o queriam ver longe do governo, com seu poder dilacerado pela emenda parlamentarista e sem pulso suficiente para conter os radicais da esquerda, o presidente João Belchior Marques Goulart foi vítima de múltipla conspiração, desde sua posse, ocorrida em 7 de setembro de 1961.

No princípio, eram movimentos ocultos, contidos em certa parte, pela atuação moderada do Gabinete formado pelo primeiro-ministro Tancredo de Almeida Neves. Mas, com a volta do presidencialismo, recolocando todos os poderes de governo nas mãos do presidente da República, e com o recrudescimento da ação das esquerdas, a conspiração se tornou aberta, num confronto entre as forças conservadoras e aquelas ditas revolucionárias, que disputavam o mesmo espaço. Escreve Francisco de Assis Silva, em seu livro “História do Brasil”:

“Todo mundo conspira: direita e esquerda; civis e militares; moderados e radicais; operários e camponeses. Os governadores Ademar de Barros (SP), Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda (GB) conspiravam com a ala militar antijanguista . O golpe estava em andamento. A direita congregava-se em organizações como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), financiados pelos Estados Unidos, e outras tantas que se uniram para impedir as reformas sociais.”

Verdade é que o presidente João Goulart em nada contribuía para baixar a temperatura efervescente nos meios políticos e na caserna: ignorava o Congresso e a ala conservadora, procurando impor suas reformas baseado no lastro da popularidade de que dispunha, e na expressiva votação que obtivera nas eleições, ocasião em que quebrou a unidade partidária.

Com efeito, Jango fez-se vice Presidente pelas esquerdas, junto com Jânio, que representava a ala mais reacionária da política brasileira. Era dobradinha “Jan-Jan” (Jânio e Jango), que custou a carreira política de Teixeira Lott (candidato a Presidente, com o Jango) e de Milton Campos (candidato a vice-presidente com Jânio). Lott e Campos, na ocasião, foram derrotados por acordos espúrios entre grupos políticos.

Embora dispersa em vários comandos civis e militares, principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais, a oposição ao governo reconhecia a ascendência das lideranças do Rio, onde se achava o general Artur da Costa e Silva, e para onde, mais tarde, foi removido o general Humberto de Alencar Castelo Branco, que deixou o comando do 4º Exercito, em Recife, para assumir o comando do Estado Maior do Exército (EMEx), onde eram maior o poder de articulação.

Correndo por fora da raia, como um franco atirador, estava o general Olímpio Mourão Filho, com opiniões próprias, infenso a qualquer orientação vinda de fora de seu comando, ele mesmo capaz de desequilibrar o plano integrado da demais forças que participavam da conspiração anti-Jango. E foi Mourão que, na madrugada de 31 de março de 1964, por sua própria conta e risco e sem conhecimento dos demais, saiu de Juiz de Fora com um punhado de jovens soldados inexperientes para a derrubada do governo, antecipando em pelo menos 20 dias o movimento que deveria eclodir a partir do Rio de Janeiro.

Revolução ou Golpe ? Essa discussão até hoje está em aberto, embora a opinião da maioria se incline para a segunda hipótese. Para os militares que participaram do movimento, foi uma revolução objetivando exterminar o comunismo que atentava contra as liberdades democráticas; para a ala esquerda, não pairavam dúvidas de se tratava de um golpe bem articulado para impedir a realização das reformas.

Já para Mourão Filho, teria sido uma revolução legítima, partindo de Minas Gerais, a qual chegou vitoriosa ao Rio de Janeiro, mas lá encontrou o general Costa e Silva já instalado no gabinete do ministro da Guerra, e o general Castelo Branco virtualmente empossado presidente da República. Era o que ele próprio chamou de “golpe de 1º de abril”.

È importante nos determos nos acontecimentos que levaram ao movimento vitorioso de 1964, que rapidamente afastou as lideranças civis ou colocou- as a seu serviço, dando início a uma série de governos militares que se sucederam no poder até o ano de 1985.

Como era estranho esse general Mourão.

Olímpio Mourão Filho (1900-1972) nasceu em Diamantina (MG), a mesma cidade de Juscelino Kubitschek. È a única identidade entre os dois. Ao contrário de JK, Mourão Filho tinha índole belicosa e um temperamento irrefreável, transcorrendo toda sua vida ao meio de conspirações, desenvolvidas abertamente, seguindo sua própria avaliação e em prejuízo de qualquer opinião que não a sua própria.

Se tivermos de compará-lo a alguma figura histórica, poderíamos melhor aproxima-lo de Tiradentes, outro mineiro notável que assumiu como seus os ideais da Conjuração Mineira e saiu pelas cidades de seu Estado de Rio de Janeiro pregando a queda do Império, descuidando-se do sigilo, elemento essencial para a vitória de qualquer movimento contestatório.

Em 1937, como capitão do Exército, Mourão identificou-se com a Ação Integralista Brasileira e teve seu nome envolvido no Plano Cohen. Em verdade, tal plano de pretensa ação comunista para a tomada do poder foi redigido por ele próprio, mas apenas para treinamento dos integralistas no combate ao comunismo. Por ardil do presidente Getúlio Vargas, auxiliado pelos generais Góis Monteiro e Caiado de Castro, a peça foi tomada como verdadeira e serviu de pretexto para o fechamento do Congresso Nacional e a instituição de um novo regime, o do Estado Novo. O maior prejudicado, além da nação brasileira, foi o próprio Mourão, que por quase 30 anos teve sua carreira militar bloqueada, enquanto seus companheiros de turma subiam rapidamente.

Em 1956, Juscelino finalmente promoveu-o a general-de-brigada (duas estrelas), ficando estacionado nessa posição durante 5 anos. E, como general-de-brigada, em 1961,voltou-se contra os ministros militares que se opunham à posse de João Goulart, seguindo para a casa do marechal Teixeira Lott, onde se encontravam outros militares favoráveis à posse de Jango, dentro dos termos da Constituição. Lott já havia emitido um manifesto, publicados pelos jornais matutinos, e vinha como uma outra declaração, quando Mourão, irritado, contestou: João Goulart foi finalmente empossado e, pouco depois, Mourão Filho passou a conspirar contra o novo Presidente, primeiro em Santa Maria (RS), depois em São Paulo e finalmente em Juiz de Fora, causando mal-estar e até inimizades dentro nas hostes antijanguistas. Vitorioso o movimento de 1964, voltou-se também contra este, considerando que a revolução foi traída com a permanência dos militares no poder. Já não tinha, porém, qualquer comando, pois, ainda em 1964 caiu na compulsória, reformando-se como general de divisão.

Enquanto outros de sua turma se aposentaram com o título de marechal, Mourão foi para a reserva como general-de-divisão (três estrelas), quase ignorado nas referências sobre o movimento militar que resultou na instituição da Quarta República. Uma ou outra enciclopédia abre uma entrada com seu nome e, assim mesmo, para uma citação de duas ou três linhas, sem se deter em sua biografia ou na importância que ele teve para o sucesso do movimento.

Em Santa Maria, o “Plano Junção”

Promovido a general-de-brigada (duas estrelas) em 7 de setembro de 1956, já no mês seguinte Mourão assumi o comando da Infantaria Divisionária em Belo Horizonte, onde não fica mais que uns poucos meses. Seu temperamento guerreiro incomodava muito e Juscelino nomeia-o para cargos burocráticos, primeiro na Assistência Social do Exército e, depois, na direção dos Serviços de Radiodifusão (hoje DENTEL), subordinado ao Departamento de Correios e Telégrafos.

Pouco tempo depois, já desconfiava não só do presidente João Goulart como também do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, achando que ambos pretendiam aplicar um golpe de estado com subseqüente comunicação do governo.E, assim, não tarda em reiniciar a atividade conspiratória, traçando o “Plano Junção”, pelo qual pretendia levantar o Exército, assim que pressentisse qualquer atitude de Jango para o fechamento no regime. Uma tarefa nada fácil, já que o comandante do 3º Exército era o general Jair Dantas Ribeiro, francamente janguista.

O Primeiro nome indicado para a chefia do Gabinete foi o do jurista Santiago Dantas, prontamente rejeitado pelo Congresso que o considerava muito à esquerda. Jango, então, concordou em indicar para Primeiro-Ministro o presidente do Congresso, Auro Soares de Moura Andrade (conservador) mas, em seguida, usando das atribuições que lhe eram conferidas, recusou o ministério indicado pelo Congresso, por achá-lo conservador demais para as reformas que tinha em mente.

Finalmente, executivo e legislativo se fixaram no nome de Brochado da Rocha, mais à esquerda que Santiago Dantas.É claro que a ninguém interessava essa nomeação, que se constituiu em novo casuísmo, enquanto, paralelamente, se procurava detonar o parlamentarismo, com a realização de um plebiscito.

O gabinete de Brochado, empossado em 9 de julho de 1982, foi substituído pelo o de Hermes Lima em 17 de setembro e este último se dissolveu em 23 de janeiro de 1963 quando, de conformidade com plebiscito realizado em 6 de janeiro, o Brasil voltou a adotar o Presidencialismo, concentrando nas mãos de Jango ambos os poderes, de chefe de Estado e de chefe de Governo.

É o próprio Mourão quem conta:

“Levantei-me com um gesto espalhafatoso, o gorro na cabeça e com os dois braços fazendo gestos para os oficiais, gritei bem alto: ‘Levantem-se, vamos nos retirar daqui’. Não admito insultos contra o chefe das Forças Armadas, presidente João Goulart”.

O truque deu certo. Havia transmissão ao vivo pelo rádio e toda a imprensa paulista estava dando cobertura à sociedade. Ademar mandou um mensageiro procura-lo na sala onde havia se alojado, garantindo que faria um discurso desmanchando tudo, e pedindo-lhe que, após, voltasse à cerimônia. E assim aconteceu.

No Palácio do Planalto, a repercussão não podia ter sido melhor. O general Mourão Filho passou a ser considerado um elemento pró governo e em tal grau que, no mês seguinte, recebia como bônus a transferência para uma função da mais alta confiança, qual seja, o comando da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, em Juiz de Fora, desalojando dessa posição o general Carlos Luís Guedes, elemento muito chegado ao governador de Minas, Magalhães Pinto.

A posição dos governadores

Neste ponto, será útil mapear o posicionamento dos principais governadores envolvidos no processo conspiratório, de um lado e de outro.

Miguel Arraes, em Pernambuco fazia o movimento das esquerdas, dando amplo apoio às Ligas Camponesas de Francisco Julião, um movimento extremista que objetivava a reforma agrária à força, criando situações de fato, com a invasão de propriedades produtivas, sobretudo engenhos, e criando situações de conflito armado, sob as vistas grossas, quando não, sob a proteção do Governador.

Em Minas Gerais, Magalhães Pinto, mineiramente, dava uma no cravo e outra na ferradura. Conspirava contra o presidente da República, mas sem alarde, dando mesmo a entender que estava ao lado do governo central.

Nesse propósito, chegou até a financiar, com dinheiro público, a realização, em Belo Horizonte, do 1º Congresso Nacional de Trabalhadores do Campo, arcando com as despesas de instalação, transporte e alojamento. Como não podia deixar de ser, a maior representação (cerca de 200 camponeses) foi a de Francisco Julião, que pedia a desapropriação sumária de todo latifúndio acima de 500 hectares. Diante de uma multidão calculada em 5 mil pessoas, foi transmitida uma gravação com a voz de Fidel Castro, dando apoio cubano à reforma agrária brasileira.

Na Guanabara, reinava absoluto Carlos Lacerda, com mandato diferenciado dos demais, já que o Estado foi criado em 1961 e sua presença no governo deveria se estender até 1965.

Magalhães e Lacerda conspiravam contra o governo, mas evitavam comunicar-se.Ambos eram candidatos virtuais à presidência da República e cada um deles, isoladamente, procurava fortalecer sua posição, enfraquecendo o adversário. Magalhães, recatado, levava a melhor; Lacerda, destemperado, expunha-se demais, mas, em compensação, fazia uso da máquina para esmagar movimentos pró-Jango, com medidas nem sempre em plena conformidade com a lei.

Ademar de Barros, em São Paulo, era um meio termo entre os dois. Falava e agia com franqueza, mas medindo suas reações e, no interesse da causa, não teve dúvidas em aliar-se ao seu maior inimigo, Júlio Mesquita Filho, diretor do jornal O Estado de São Paulo.

No Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti era uma incógnita, mas, estourando o movimento, em 31 de março, mudou a sede do governo para o interior, anunciando sua adesão aos militares anti-Jango.

Leonel Brizola, cunhado de João Goulart e um dos representantes mais importantes da esquerda, encerraram seu mandato como governador do Rio Grande do Sul, mas elegera-se deputado federal e mantinha sua ascendência política sobre seu Estado e sobre uma boa parte do país. Era também um demolidor e, na esquerda, servia de contraponto à agressividade de Lacerda na Guanabara. Sem ser comunista, Brizola adotava a técnica de organização de células revolucionárias, que chamou de “grupos de onze”. Esse era o número de componentes de cada célula e, no momento oportuno, pretendia ativar todas elas para detonar o regime.

A ação das esquerdas

Se as forças anti-Janguistas se articulavam para a derrubada do Governo, do outro lado, as forças pró-Jango se preparavam para uma mudança radical do regime, dando a João Goulart poderes absolutos para realizar as reformas que tinha em mente. Enquanto as primeiras, firmadas em líderes políticos e empresários, mantendo o controle de comandos vitais nas Forças Armadas, tinha uma noção exata de seu poder, os janguista se iludiam em sua força aparente, seduzidos pela idéia do sucesso e divorciados da realidade.

Se as associações de trabalhadores eram mais experientes e práticas, a UNE-União Nacional dos estudantes- apresentava-se idealista e intelectualizada, estendendo sua ação junto às escolas e fazendo um trabalho de proselitismo que utilizava sobretudo o teatro, com a cooperação do CPC-Centro Popular de Cultura, onde se abrigavam os mais conhecidos artistas jovens de nosso país. Contavam-se, entre eles, Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), Gianfrancesco Guarniere, Cacá Diegues, Leon Hirzmann. Vera Gertel (mais tarde repórter de TV) e outros. E mais cantores e compositores, como Edu Lobo, Carlos Lira e Sérgio Ricardo O Sociólogo Luís Werneck Vianna, reconhece o excesso de idealismo juvenil que lhes vedava os olhos à realidade que, sobretudo no Rio de Janeiro, lhes era adversa, com a polícia do governador Carlos Lacerda e o peso das forças bem articuladas da direita:

“Nós tínhamos, particularmente os jovens, que haviam sido mobilizados pela polícia de esquerda daquela época, uma confiança muito grande nas lideranças. E as lideranças diziam que, ‘se a direita levantasse a cabeça, essa cabeça seria cortada’. Isso é textual. Foi uma frase que o Prestes [Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro] lançou na ABI [Associação Brasileira de Imprensa] quinze dias ou um mês antes do golpe. Nós fomos para a UNE com um espírito de resistência (...) Fomos para a UNE como para mais uma jornada, onde as coisas aconteceriam e, no dia seguinte, tudo voltaria ao normal, como tantas outras crises que havíamos assistido no período.”

Oduvaldo Viana Filho foi uma das vítimas dessa imprudência. Preso pela polícia de Lacerda, “desapareceu” por alguns dias nas dependências do DOPS carioca, sendo ineficaz o “habeas-corpus”, porque não era localizado em lugar algum. Foi preciso a interferência do general Nelson de Mello que, mesmo sem concordar com o posicionamento da UNI agiu no sentido de localizar e libertar Vianinha.

Heron Domingues, o célebre Repórter Esso, reproduziu na TV os acontecimentos: “Mocinho falador, você está preso – foi o que disseram a Oduvaldo Viana Filho, o Vianimha, preso na avenida Rio Branco, esquina de Araújo Porto Alegre”. E, em entrevista à Última Hora, diz Vianinha: “Cuspiram-me no rosto e rasgaram minha roupa”. E, mais tarde conta: “A ordem era total intimidação e a mais completa humilhação. Cheguei à conclusão de que, com aquela polícia, até mesmo um homem santo como D. Helder [D. Helder Câmara, Arcebispo do Rio] ou um retardado como o almirante Pena Boto [um dos conspiradores contra a posse de Juscelino em 1956] poderiam ser transformados em revolucionários.”

De um lado e de outro, os espíritos se armavam para uma luta sem fronteiras. Não havia uma voz pacificadora, capaz de serenar os ânimos e reencaminhar o país para o entendimento. Todos queriam o bem-estar da nação, cada um à sua maneira, usando a força como argumento.

A articulação da direita

Se as esquerdas contavam com apoio ostensivo de Cuba, da União Soviética e da China, inclusive coma presença de agentes subversivos no Brasil, a direita, por sua vez, tinha uma cobertura de retaguarda dos Estados Unidos, através da “Operação Brother Sam”, que garantia a interferência americana até o ponto em que fosse necessária para impedir a implantação de um regime comunista no Brasil

Os EUA já tinham Cuba bem próximo de si, o que era um problema mais do que suficiente, não lhes interessando, de maneira alguma o surgimento de outro núcleo justamente no cone sul, o que facilitaria a propagação revolucionária pelos países vizinhos. Não custa lembrar que o Brasil faz divisa com todos os países da América do Sul, com exceção de Equador e Chile.

Na conspiração anti-jango, o setor militar estava fortemente guarnecido. O general Costa e Silva entregou o comando do 4º Exército (Recife) ao general Castelo Branco e veio para o Rio de Janeiro. O próprio Castelo Branco, temos depois, foi transferido também para o Rio de Janeiro, assumindo o comando do Estado Maior do Exército (EMEx). Na Marinha, havia o almirante Sílvio Heck, na Aeronáutica, o prestígio do brigadeiro Eduardo Gomes. Ao lado deles, o Ex-presidente, marechal Eurico Gaspar Dutra.

No setor civil, a presença, em peso, da União Democrática Nacional, mais o apoio de populistas e integralistas, representados sobretudo pelo PSP de Ademar de Barros e, no Rio de Janeiro, o coração do movimento era governador Carlos Lacerda, com todo poder de fogo, tanto na imprensa como no governo do Estado de Guanabara.
Os acontecimentos se precipitam
O mês de março de1964 marcou a radicalização das posições de um lado e de outro, numa escalada impressionante que fazia prever uma substituição do embate de idéias pelo confronto armado direto.
No dia 13, o presidente João Goulart promoveu o Comício da Reformas, em frente à estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas em área militar, onde manifestações públicas não são permitidas. Os mais modestos estimaram a presença de 150 mil pessoas, havendo quem garantisse haver na concentração mais de 250 mil pessoas.
Na ocasião, assinou um ato determinando a desapropriação de todas as terras às margens de rodovias e açudes, mediante prévia e efetiva indenização. Ou era um ato demagógico, ou então contava com o rompimento institucional, por um golpe de estado, com o que o os pagamentos seriam feitos em papéis de dívida pública, pagáveis em 15 ou 20 anos,tal como acontecera com as desapropriações em Cuba.
E havia momentos de alucinação, como aquele em que um punhado de senhoras católicas se ajoelharam diante de um estúdio de TV em São Paulo, com seus terços entre as mãos para impedir a entrada de Miguel Arrais, que deveria participar de um debate.
Houve também movimentos mais organizados, como as Marchas da Família, com Deus e pela Liberdade, em São Paulo, Santos e, tardiamente, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, num dia da semana, que era feriado, os organizadores conseguiram colocar nas ruas 250 mil pessoas, às três horas da tarde. Fábricas fecharam suas portas e colocaram operários em caminhões e ônibus para levá-los à passeata.
No dia 27 de março, marinheiros liderados por um agente duplo, que ficou sendo conhecido como “cabo” Anselmo, e com a evidente cumplicidade do Almirante Aragão, recusaram-se a reassumir seus postos de trabalho. Presos em um quartel do Exército, foram inexplicavelmente liberados, horas depois, e saíram em ruidosa passeada pela cidade do Rio de Janeiro.
Voltando a Minas Gerais
Deixemos de lado, por um momento, os cabos e soldados rebelados e voltemos a Minas Gerais, onde Mourão Filho encontrava dificuldades em articular seu plano de ação revolucionária a que deu o nome de “Operação Popeye”, talvez em lembrança ao cachimbo que sempre levava consigo.
Em Juiz de Fora, nem tudo saiu como esperava, pois seus comandados imediatos, em que pese o respeito à sua autoridade, recusavam-se a participar de qualquer movimento conspiratório,assegurando que só pegariam em armas se houvesse, em efetivo, um golpe do presidente da República contra as instituições. Antes disso, não.
Nessa situação, Mourão passou a catequizar a jovem oficialidade, contando com seu comando para, no momento oportuno, tirar os soldados dos quartéis para marchar sobre o Rio de Janeiro. Nesse propósito, todavia, era contestado veementemente pelo general Luís Carlos Guedes, comandante da Divisão de Infantaria sediada em Belo Horizonte, e pelo governador Magalhães Pinto, que não acreditavam em uma revolução desse porte feita com “meninos recrutas” comandados por jovens oficiais.
Mas, no momento exato, conseguiu o apoio do Marechal Odílio Denys, que se deslocou par Juiz de Fora, a fim de dar-lhe apoio de retaguarda. O motivo é simples: Na ação revolucionária, Mourão, general de Divisão (3 estrelas), não seria acatado pelos generais de Exército (4 estrelas). Sendo Denys um marechal, o comando geral ficaria em suas mãos, enquanto Mourão, supostamente sob suas ordens, colocaria as tropas a caminho do Rio de Janeiro.
Mas o Manifesto preparado por Magalhães Pinto, chefe civil da revolução, era uma mistura de água com açúcar. O governador deixava a porta aberta para um recuo e, nessas circunstâncias, toda responsabilidade caia sobre o comando militar!
O general Mourão lamentou o tempo perdido e estabeleceu novo cronograma, prevendo a saída das tropas em 31 de março às 5 horas da madrugada, com ou sem manifesto, com ou sem o Governador. Não havia mais tempo ou condições para recuar.
Tropas na rua!
Juiz de Fora, 31 de março, 5 horas da manhã. O general Olímpio Mourão Filho desencadeia a “Operação Popeye” promovendo o levante das tropas da 4º Região0 Militar e da 4º Divisão de Infantaria, apoiado pelo entusiasmo da jovem oficialidade e dos “meninos recrutas”, submetidos que foram a um mês de rigoroso e mortal treinamento. É o momento de provar se aqueles “meninos”, com seu entusiasmo, teriam condições de usar a audácia para superar as limitações da inexperiência. À frente das tropas seguia o general Murici.
A notícia estourou no Rio de Janeiro e em São Paulo como uma bomba. Ninguém no alto comando queria acreditar. Mas, ao ser confirmada sua veracidade, o general Castelo Branco teria dito: “Agora, ou damos apoio ao Mourão, ou ele estará perdido!”.
Do Rio de Janeiro partem, também, tropas do Regimento Sampaio (1ª Regimento de Infantaria), comandadas pelo coronel Raimundo Ferreira de Sousa, supostamente para dar combate aos rebeldes. O coronel Raimundo, entretanto, após um contato telefônico com Juiz de Fora, falando diretamente com o marechal Odílio Denis, adere ao movimento. Juntando seus soldados aos de São Paulo e de Minas, passa a integrar as forças rebeldes que entram vitoriosamente na cidade do Rio de Janeiro.
O presidente João Goulart viaja para Brasília, daí para Porto Alegre e, por fim, se exila no Uruguai. O Congresso Nacional, declara vago o cargo e empossa como presidente da República, dentro da linha de sucessão, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Um Presidente de fantasia, já que todas as decisões políticas estavam sendo tomadas pelo novo comando militar, no Rio de Janeiro.
Com efeito, ao chegar ao Rio de Janeiro, comandando as tropas revolucionárias, o general Mourão encontra um esquema previamente montado que torna inútil a sua presença ali. Costa e Silva se fizera ministro da Guerra; Castelo Branco era o nome indicado para assumir a presidência da República, cumpridas as formalidades; o general Ururai assumira o comando do 1º Exército; o general Taurino, a 1ª Região Militar. Os comandantes do movimento no Rio de Janeiro tomavam posse de seus cargos antes mesmo que o Congresso declarasse a vacância do cargo de Presidente, e Mazzilli tivesse tempo de nomear seu ministério. Isso vai melhor contado no próximo capítulo.
Foi dentro desse espírito que os conspiradores anti-jango, desde o princípio, aproximaram-se dos Estados Unidos, procurando obter destes a garantia de apoio na luta contra o “perigo interno”.





Conclusão

Foi concluído que nada aconteceu por acaso. O movimento militar de 1964 foi epílogo de problemas políticos mal resolvidos desde a Proclamação da República em 1889, como relembra Helio Fernandes, em artigo publicado na Tribuna da Imprensa – RJ em 9 de junho de 2004: “1935 provocou o 10 de novembro de 1937, o 11 de maio de 1938, o Manifesto [dos mineiros de 1943, a derrubada da ditadura em 1945, o Manifesto dos coronéis de 1953, o suicídio de Vargas em 1954, o golpe contra Juscelino em 11 de novembro de 1955, a renúncia de Jânio em 1961, a posse “controlada” de Jango no mesmo ano de 1961, a ditadura escancarada de 1964.
“Sempre com os militares no centro de tudo, perdendo numa oportunidade, ganhando na outra, coordenado e orquestrado.”
“A partir da renúncia de Jânio e da posse de Jango, o País ficou num clima permanente de golpe. Só não percebeu quem não quis.”
“Civis e militares, TODOS, SEM EXCEÇÃO, eram golpistas. Os civis não acreditavam que os militares ficassem com o Poder, mas foram superados.”
O Governo militar era planejado desde 1954 foi adiado devido o suicido de Getulio vargas.
“Em 1964 houve outro golpe militar, nenhuma surpresa. Na mesma linha do 15 de novembro do 1889, O PRIMEIRO GOLPE MILITAR DA HISTÓRIA DO BRASIL.!”



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