domingo, 19 de dezembro de 2010

UM MATA O OUTRO ESFOLA

Estado brasileiro matou 556 civis em 32 conflitos esquecidos do século XX
Reportagem do Estado resgata revoltas populares sem ideologia nem tutela de partidos políticos ou de instituições religiosas.

Tropas legais fuzilaram ou causaram a morte de pelo menos 556 civis e tiveram 100 baixas ao reprimir 32 revoltas desconhecidas ou simplesmente esquecidas no Brasil ao longo do século XX. Os episódios mostram a paranoia do Estado brasileiro em usar seu poder de fogo para conter beatos barbudos, rezadeiras, descontentes com a política econômica ou pequenos agricultores em busca de terra, e tomar partido de latifundiários e grileiros nas brigas com posseiros.

Foram revoltas populares sem ideologia ou tutela de partidos políticos e instituições militares ou religiosas. Neste caderno, essas revoltas não são chamadas de guerras pelo grau do confronto de forças e sim pelo poderio de fogo da repressão e pelas marcas deixadas nos lugares onde ocorreram. O que ficou são traumas de guerra - e é assim que, do Norte ao Sul do País, testemunhas e protagonistas referem-se ao episódio do qual participaram. A máquina policial do Estado nunca olhou o tempo histórico para tratar revoltosos dos sertões. A fúria da repressão foi igual em momentos de exceção ou de democracia.

A elaboração do mapa das revoltas e as reportagens deste caderno tiveram como ponto de partida a consulta a coleções de inquéritos criminais, das Secretarias de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Pernambuco e Minas Gerais - Estados sempre citados nos estudos sobre conflitos rurais, da década de 1930 aos anos 1960. O levantamento das revoltas se baseou ainda nos dados dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) dos Estados e das atas do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e dos relatórios do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), relativos aos anos 1970 e 1980, guardados no Arquivo Nacional. Pesquisas complementares foram feitas em centros culturais e cartórios criminais e cíveis.
Investigação. Foram consultados ainda diários de famílias, cartas, atas de compra e venda de terras, livretos mimeografados, papéis de paróquias, telegramas, cartões postais, boletins policiais, denúncias de comarcas, bilhetes de rebeldes, dados de hospitais e cemitérios, documentos de prefeituras, gravações, recortes de jornais regionais, álbuns particulares de fotos, arquivos privados de agentes policiais e das Forças Armadas. Para localizar testemunhas e participantes dos conflitos, recorreu-se até a cadastros de fregueses de compra a fiado no comércio.

Uma viagem aos cenários das revoltas genuínas da terra põe em debate a versão de que a população civil dos sertões assistiu calada a duas ditaduras do período republicano - os regimes Vargas e militar. Embora sem conexão, esses conflitos revelam, em sua soma, a face de inconformismo dos brasileiros, que vivem em rincões tão distantes e isolados que parecem integrar outra nação.

A pobreza, a falta de alternativas de renda e a confiança em beatos messiânicos são características de boa parte das revoltas e elos com movimentos como Canudos e Pedra do Reino, no Nordeste. E em cada revolta o Estado via Antônio Conselheiro, líder de Canudos.

A pesquisa não contabilizou mortes em conflitos que ganharam destaque nacional e são sempre lembrados por entidades não-governamentais, como o que resultou no assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988, no Acre, o de Corumbiara, em Rondônia (1995), e Eldorado do Carajás, no Pará (1996) - apoiados pelo Movimento dos Sem-Terra - , além de outros mais antigos, como a Guerra do Contestado, em Santa Catarina (1912-1916) e Revoltas da Vacina (1904) e da Chibata (1910), no Rio.

Ficaram ainda de fora mortes causadas por repressão em greves nas grandes cidades.

SÓ FALTAVA ESSA! PARA FECHAR COM "CHAVE DE OURO"

Governo Lula vai pagar indenização de R$ 44,6 milhões para a UNE
Dinheiro deverá ser aplicado integralmente na construção de nova sede, no Rio, no mesmo lugar em que o antigo foi metralhado e incendiado em 31 de março de 1964, dia do golpe militar.

No apagar das luzes, o governo Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o pagamento de uma bolada de R$ 44,6 milhões à União Nacional dos Estudantes (UNE), como reparação pelos danos causados à entidade durante a ditadura militar (1964-1985). A primeira parcela, de R$ 30 milhões, caiu na conta da entidade na sexta-feira, 17, mesmo, depositada pela Comissão da Anistia, escalada para saldar a conta. Os R$ 14,6 milhões restantes entrarão no orçamento de 2011.

Sede histórica. Prédio doado por Vargas em 1942 foi destruído por incêndio em abril de 1964.

O dinheiro, segundo compromisso da direção da UNE, será integralmente aplicado na construção da nova sede, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Com 13 andares, o prédio será erguido no mesmo terreno, na praia do Flamengo, onde o antigo foi metralhado e incendiado em 31 de março de 1964, dia do golpe militar. Doado à entidade pelo ex-presidente Getúlio Vargas em 1943, o local é hoje um dos endereços mais caros do País.

A pedra fundamental da obra será simbolicamente lançada em alto estilo na próxima segunda-feira, às 17hs, com a presença de autoridades, artistas e intelectuais de todo o País. Com dinheiro em caixa, a construção será iniciada no primeiro semestre em 2011 e a inauguração está prevista para 2013. Esta é primeira indenização coletiva paga pelo governo brasileiro por danos da ditadura.

A lei da anistia (1979) só ampara reparações de caráter pessoal a familiares e vítimas da repressão política. A reparação decorre de lei (número 12.260), proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso em junho passado. Responsável pelo presente natalino, o presidente de Lula é o convidado de honra e deverá estar presente. Todos os ex-presidentes da entidade foram convidados, entre os quais o ex-governador de São Paulo José Serra, que está em viagem ao exterior e não confirmou presença.

A medida abre um precedente para indenização institucional a outras entidades civis, religiosas e políticas que sofreram perseguições nos anos de chumbo. Mas elas terão de se articular e seguir o mesmo caminho da UNE para aprovação de lei no Congresso. “É justo do ponto de vista político e histórico e totalmente defensável do ponto de vista jurídico”, afirmou o secretário nacional da juventude, ligado à Secretaria-Geral da Presidência, Beto Cury, que coordenou a tramitação do processo na comissão que fixou o valor.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, explicou que a maioria dos países até prefere fazer reparações coletivas, sobretudo os que tiveram massacres de comunidades inteiras. É o caso do Chile, Peru, Colômbia, Bolívia e El salvador. “No caso da UNE, a agressão transpassa o dano individual, pois todo brasileiro estudante na ditadura foi subtraído no seu direito representativo”, explicou. “Aquele incêndio simboliza tudo o que foi ceifado em termos estudantis no país”.

Com a reparação, segundo Abrão, o estado democrático reconhece a importância do movimento estudantil na vida do país. “Além disso, o Brasil ganha mais um patrimônio histórico de um ícone da arquitetura mundial”, disse ele, referindo-se a Niemeyer. “Vamos causar inveja ao mundo, pois não haverá outra entidade estudantil no planeta com uma sede desse porte”, acrescentou. Segundo o dirigente, a nova sede será uma referência cultural dos tempos pré-64 e simbolizará a retomada do protagonismo do movimento estudantil na vida da nação.

Mas a conquista abre espaço, a seu ver, para correção de uma das maiores injustiças do País: a reparação coletiva devida a centenas de camponeses atingidos pela guerrilha do Araguaia, apanhados no fogo cruzado entre guerrilheiros e as forças da repressão. Até agora, apenas 44 agricultores tiveram reconhecido o direito a uma modesta pensão mensal de três salários mínimos (R$ 1.545), além de uma indenização retroativa de menos de R$ 100 mil para recomposição patrimonial.

Aprovada há mais de um ano, a reparação até agora não foi paga porque a justiça federal do Rio concedeu liminar suspendendo o benefício, em ação popular movida por um deputado carioca. “A ditadura causou danos significativos a vários segmentos da sociedade, mas entre os mais injustiçados, sem dúvida, estão os camponeses do Araguaia”, afirmou.

Nos anos 80, ainda na ditadura, o escombro da antiga sede da UNE foi demolido e em 1987 o terreno foi invadido por um grileiro, que explorou o espaço até 1994, quando o presidente Itamar Franco devolveu a escritura à entidade. Em meio a uma disputa judicial, a UNE invadiu o terreno em 2007 e iniciou o trabalho político para reconstrução da sua sede.

E conseguiu será que foi devido o apoio dado ao fracasso do ENEM PARTE III ?

Perguntar não ofende.

Um comentário:

Lucino Neto disse...

É basta saber quanto desse dinheiro realmente será utilizado nesta obra faraonica, fazer farra com dinheiro do povo é fácil. Será que relamente se faz necessário contratar o melhor arquiteto (Oscar Niemeyer), causar inveja ao mundo por causa de um prédio? Enquanto a educação de quem esta entidade representa está jogada à escolas mal cuidadas. Pra mim isso não passa de mais um caso de abuso do dinheiro público.