sexta-feira, 24 de maio de 2013

CÔNJUGE VIRAGO


CÔNJUGE VIRAGO ou CÔNJUGE FEMININO?

Comumente lemos em peças jurídicas (petições de advogados, pareceres do Ministério Público e sentença judiciais) o termo cônjuge virago, quando se faz menção à mulher. É oportuno observar que, na linguagem jurídica, sempre que o operador do direito usa o supracitado termo, ele está se referindo, na verdade, ao sexo feminino de varão. Na prática, os tais operadores dificilmente usam os termos homem e mulher, mas tão somente cônjuge varão (ou somente varão) e cônjuge virago (ou somente virago).
A pergunta é: esses operadores do direito estão corretos? Não, não estão! Vamos à explicação.
Ainda na Antiguidade, notadamente em um texto de Gênesis, Eva é retratada como virago, cujo nome fora concebido pelo próprio Adão. Sem dúvida uma denotação do feminino de varão. Padre Vieira, no século XVII, ainda fez menção a esse termo como sendo de "honrado nome".
Os tempos mudaram e como a língua escrita é viva, o conceito de virago sofreu alteração. A mudança veio mesmo no século XIX, e a prova dessa virada de conceito está em alguns textos consagrados na literatura brasileira.
Um desses autores é Euclides da Cunha, que, em Os Sertões, escreveu: "As mulheres eram, na maioria, repugnantes. Fisionomias ríspidas, de viragos, de olhos zanagas e maus".
O sobralense Domingos Olímpio (1851 - 1906), em seu romance Luzia-Homem, de 1903, retratando a vida de uma retirante cearense (o episódio ocorre no Ceará, em 1878), de nome Luzia, escreveu: "Mulher que tinha buço de rapaz, pernas e braços forrados de pelúcia crespa e entonos de força, com ares varonis, uma virago, avessa a homens".
No referido romance, Luzia é contada como sendo uma mulher com muita força, capaz de superar no labor físico muitos homens fortes, daí o complemento "homem" ao termo "Luzia".
O consagrado Gilberto Freyre (1900 - 1987) se utilizou do mesmo sinônimo quando, ao se reportar a uma mulher-homem, a chamou de virago.
Modernamente, os dicionários trazem o significado de virago como sendo uma mulher de traços masculinizados. É o que facilmente depreendemos do Aurélio e do Aulete.
Abordando o tema, o professor Cláudio Moreno finalizou a questão trazendo a seguinte afirmação: "Se eu usar hoje o termo virago com relação a uma mulher, ela terá todo o direito de se sentir insultada" (destaque do mesmo autor).
Considerando, pois, que o significado das palavras tem repercussão direta com seu tempo, é prudente afirmar que de fato chamar uma mulher de virago nos dias atuais pode dar margem para uma reparação judicial, para extrema surpresa de muitos operadores do Direito, inclusive juízes.
Assim, melhor dizer cônjuge masculino e cônjuge feminino (da mesma forma como dizemos cobra macho e cobra fêmea), e, sendo o substantivo cônjuge sobrecomum, eu jamais poderia escrever a cônjuge (e muito menos a cônjuge virago), como ainda é possível encontrar em petições de advogados.
Crédito  Robério Fernandes

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