domingo, 28 de abril de 2013

O QUEIJO E OS VERMES



O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição (em italiano: Il formaggio e i vermi: Il cosmo di un mugnaio del '500) é um livro do historiador judeu-italiano Carlo Ginzburg publicado em 1976.

Em "O queijo e os vermes" o retrata o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Carlo Ginzburg remete ao século XVI e nos remonta a história de Domenico Scandella, um moleiro que teve sua voz abafada e suas ideias reprimidas pela Igreja Católica Romana. Baseando-se principalmente nos escritos promovidos pela Inquisição, o autor nos concede uma visão privilegiada a respeito dos pensamentos e conceitos próprios estabelecidos pelo moleiro também conhecido por Menocchio e o posterior processo inquisitório que o condenou.

Dentro desse contexto, o autor nos explana uma história específica de um dos mais de dois mil processos de julgamento da Santa Inquisição que existiram na região do Friuli, não podendo estender os pontos de vista defendidos por este singular personagem a um plano geral, tanto que a sua própria história nos mostra que o mesmo se fazia uma exceção e o porquê dela ter ganhado um maior destaque até sob o olhar da Igreja Católica Romana.


O livro o Queijo e os Vermes de Carlos Ginzburg têm a pretensão de mostrar como era a mentalidade na Idade Média, por volta do século XVI, de um simples homem do campo atraves da análise de um processo da Inquisição, narrando à história de um moleiro, que afirmava que a origens dos seres vivos vinham da putrefação, como os vermes que nascem do queijo, tudo viria do caos, a terra, o mar, as arvores, as pessoas os anjos, Deus o Diabo, Inferno e o Céu. Indo contra o pensamento da Igreja Católica. Esse pensamento trouxe problemas para Menocchio que acabou sendo preso e torturado pela Inquisição Catolica.

No periodo "da santa inquisção" que de santa não tinha nada, existem relatos absurdos
a exemplo: Uma senhora procurou o inquistor afirmando que sua vizinha era bruxa, feiticeira e certamente era uma adebita de satan, pois, na noite anterior havia dado um chá de ervas para seu filho que ardia em febre e na manhã seguinte o menino estava totalmente curado do estado febril, a mulher foi levada sob vara até a presença do JUIZ INQUISITOR e confirmou que havia feito e dado o chá de ervas ao garoto, isso lhe custou a vida na  fogueira.

No primeiro capitulo é apresentado o personagem principal da história, sua vida e o local em que este viveu: “Chamava-se Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. Nascera em 1532 (quando do primeiro processo declarou ter 52 anos), em Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli, a 25 quilômetros de Pordenone, bem protegida pelas montanhas. Viveu sempre ali, exceto dois anos de desterro após uma briga”. “Era casado e tinha sete filhos; outros quatro haviam morrido.”  Declarou ao Santo Oficio que exercia as atividades de moleiro, vestindo-se de branco com capuz e capa de lã.

Em 28 de setembro de 1583 Menocchio foi denunciado ao Santo Ofício, sob a acusação de ter pronunciado palavras heréticas e totalmente ímpias sobre Cristo. Pelo pároco de Montereale, dom Odorico Vorai, como o anônimo delator. O processo dá conta que pessoas da aldeia confirmavam que Menocchio andava pronunciando palavras que poderiam ser considerada heresias. Baseado nas evidências o inquisidor o frade franciscano Felice da Montefalco, ordenou a prisão de Menocchio no cárcere do Santo Ofício de Concórdia. Em 7 de fevereiro de 1584 Menocchio foi submetido a um primeiro interrogatório.

Suas opiniões nessa primeira entrevista, levam seu filho Ziannuto, orientado pelos amigos a espalhar noticias sobre a insanidade do pai, más essa estratégia não surte efeito, após a prisão do pai, Ziannuto busca um advogado conhecido como Trappola, que adquiriu uma carta na prefeitura de Montereale a favor do acusado para ajudar na sua defesa. Menocchio no final do primeiro interrogatório (7 de fevereiro) pediu perdão, no entanto não negava nada. Durante quatro longos interrogatórios (7, 22 de fevereiro e 8 de março) ele se manteve firme diante das objeções do vigário, negou, fez comentários, rebateu.

No dia 28 de abril, agora com a presença de um magistrado da cidade de Portogruaro e do inquisidor de Aquiléia e Concórdia, Menocchio abandona o receio e explana todo o seu modo de pensar. Começou denunciando a opressão dos ricos contra os pobres através do uso do latim nos tribunais, da qual a Igreja era cúmplice e participante. Fez uma feroz critica a hierarquia da igreja católica e seus membros, acusando-a de arruinar os pobres. Criticou ainda a luxuria da Igreja, e disse que a mesma deveria abandonar seus privilégios e seguir o que Cristo pregava a simplicidade. Declarou recusar todos os sacramentos da Igreja, criticando o Batismo, a Crisma, o Casamento, a Extrema-unção e a Confissão, sempre alegando que todas essas celebrações foram criadas pelo homem e serviam apenas como mercadoria e era usado pela igreja para subjugar as pessoas. Assim fez  LUTERO recomendo que assistam o filme O NOME DA ROSA, retrata muito bem esse momento.

Mas qual era o fundamento dessa crítica radical aos sacramentos? Com certeza não as Escrituras, que estas Menocchio submetiam a um exame sem preconceitos, reduzindo-as  a "quatro palavras" que constituíam sua essência: “Acho que a Sagrada Escritura tenha sido dada por Deus, mas, em seguida, foi adaptada pelos homens”.

Para buscar um entendimento maior do momento em que o personagem principal vive vamos analisar o que disse Carlos Coner, em 1587, frisava a pobreza natural da partia: “muito estéril porque em parte montanhosa, pedregosa nas planícies e exposta a freqüentes inundações e danos das tempestades, que são muito comuns na região”, e concluía: “Assim sendo, se os nobres não possuem grandes riquezas, os camponeses são paupérrimos”. No final do século (1599), Stefano Viaro traçava um quadro de decadência e desolação: “Há alguns anos a assim chamada Pátria se apresenta totalmente destruída, não se encontrando vila que não esteja com dois terços ou mesmo três quartos de suas casas arruinadas, desabitadas; pouco menos da metade das suas terras são improdutivas, o que de fato é de se lamentar muito, já que desse modo a cada dia declinará mais, com seus habitantes tendo que partir por necessidade (como já estão fazendo), e ali ficarão apenas os súditos miseráveis”. No momento em que se diagnosticava a decadência de Veneza, a economia friulana já se encontra em estado de avançada desagregação.

Para Menocchio qual a imagem que construiria para si no enorme emaranhado jogo de forças que, silenciosamente, condicionava sua existência?

Menocchio é um dos pobres. Uma imagem claramente dicotômica da estrutura de classes, típicas das sociedades camponesas. Em todo caso parece-nos que Menocchio, em seus discursos, dá indícios de ter uma atitude diferente em reação aos “superiores”. A violência do ataque contra as autoridades máximas da Igreja – “E me parece que na nossa lei o papa, os cardeais, os padres. Eles arruínam os pobres...” – contrasta com a crítica muito mais amena, que vem em seguida, ás autoridades política.

Na busca de se compreender as palavras de Menocchio, é feita uma análise na obra da possível ligação do moleiro com os grupos da Reforma religiosa e suas idéias, que efervescia a Europa dos séculos XVI. Um judeu convertido de nome Simon, afirmou que Menocchio negava qualquer valor ao Evangelho, rejeitando a divindade de Cristo e louvava um livro que talvez fosse o Alcorão. Essa afirmação do Judeu Simon, já que os ensinamentos do Alcorão são antagônicos aos ensinamentos de Lutero, afasta a possibilidade da ligação dele com os Luteranos. A insistência na simplicidade da palavra de Deus, a negação das imagens sacras, das cerimônias e dos sacramentos, a negação de Cristo, a adesão a uma religião prática baseada nas obras, a polêmica pregando a pobreza contra as “pompas” da Igreja, a exaltação da tolerância, são todos elementos que nos conduzem ao radicalismo religioso dos anabatistas. Todavia, apesar das analogias apontadas, não parece possível definir Menocchio como um anabatista. O valor positivo que ele formulou a propósito da missa, da eucaristia e também, dentro de certos limites, da confissão, era inconcebível para um anabatista. Sobretudo um anabatista que via no papa a encarnação do Anticristo, nunca teria dito uma frase como aquela de Menocchio a respeito das indulgências: “[...] acredito que sejam boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa, e mandou perdoar, isso é bom, porque é como se recebêssemos de Deus, já que são dadas por seu representante”. Concluímos, que entre as posições de Menocchio e as dos anabatistas existiam analogias indiscutíveis, embora inseridas em contextos claramente diversos. Qual a relação entre uma cosmogonia como a de Menocchio – o queijo primordial do qual nascem vermes que são anjos – e a Reforma? Como remeter à Reforma afirmação como as atribuídas a Menocchio por seus conterrâneos: “Tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno, tudo é Deus”? É melhor imputá-las, por enquanto, a um substrato de crenças camponesas, velho de muitos séculos, mas nunca totalmente extinto. A Reforma, rompendo a crosta da unidade religiosa, tinha feito vir à tona, de forma indireta, tal substrato; a Contra-Reforma, na tentativa de recompor a unidade, trouxera-o à luz, para expulsá-lo.

Os inquisidores questionavam o réu a delatar os nomes das pessoas que haviam contribuído para a formulação de idéias tão divergentes das correntes vigentes, parecia improvável que um simples moleiro formulá-se teses tão aprofundadas e polemicas sem o auxilio de outras pessoas. No entanto, Menocchio afirmou que seus pensamentos faziam parte da sua mente, e que estava pensando coagido pelo diabo. Com o aprofundamento do processo verificou-se que ele pregava suas doutrinas segundo varias leituras de livros, alguns até proibidos pela Inquisição, às vezes mal interpretados, e muitas vezes distorcendo o sentido das histórias descritas nestas obras, o réu misturava as fontes orais com suas leituras, isso ocasionou opiniões heterogêneas das que eram comuns no período. Para não deixar de citar algumas obras lindas pelo protagonista: A Bíblia em vulgar, Il Fioretto della bíblia, Il Lucidario della Madona, Il cavallir Zuanne de Mandaville, Decameron, de Boccaccio, entre outras obras identificadas pelo autor. A Igreja católica nesse período combatia em duas frentes: contra a cultura erudita velha e nova, irredutível aos esquemas contra-reformísticos, e contra a cultura popular.

Seu radicalismo religioso, embora tendo ocasionalmente se nutrido de temas da tolerância medieval, ia muito ao encontro das sofisticadas teorizações religiosas dos heréticos contemporâneos de formação humanista.
Menocchio lia seus livros destacando, chegando a deformar, palavras e frases; justapunha passagens diversas, fazendo explodir analogias fulminantes. Triturava e reelaborava suas leituras, indo muito além de qualquer modelo preestabelecido. Suas afirmações mais desconcertantes nasciam do contato com textos inócuos, como As Viagens, de Mandeville, ou a Historia del Giudicioi. Não o livro em si, mas o encontro da pagina escrita com a cultura oral é que formava, na cabeça de Menocchio, uma mistura explosiva.
Retornando a cosmogonia de Menocchio, que no início nos pareceu tão estranha e indecifrável. Ela começava desviando-se da imediatamente do Gênese e de sua interpretação ortodoxa, afirmando a existência de um caos primordial: “Eu Disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos...” (7 de fevereiro). Num interrogatório subseqüente, como vimos, o vigário-geral interrompeu Menocchio que discorria sobre as Viagens de Mandeville, e lhe perguntou “se esse livro não falava do caos”. Menocchio negou, repropondo (desta vez, de forma consciente) o já citado cruzamento entre cultura escrita e cultura oral: “Não, senhor, mas sobre isso eu li no Fioretto della Bíblia, mas as outras coisas que eu disse sobre o caos eu tirei da minha própria cabeça”.

Menocchio tentou comunicar essas “coisas” aos seus conterrâneos: “[...] no princípio este mundo era nada, que a água do mar foi batida como a espuma e se coagulou como o queijo, do qual nasceu uma infinidade de vermes; estes vermes se tornaram homens, dos quais o mais potente e sábio foi Deus e os outros lhe dedicaram obediência...”. A sequência do processo mostrou claramente que Menocchio estava pronto a variar este ou aquele elemento da sua cosmogonia, desde que mantivesse intacto seu caráter essencial. Assim, à indagação do vigário-geral – “O que era essa santíssima majestade?” – respondeu: “Eu entendo a santíssima majestade como o espírito de Deus, que sempre existiu”. Num interrogatório subseqüente ainda precisou: no dia do Juízo, os homens serão julgados “por aquela santíssima majestade que eu citei antes, que existia antes que existisse o caos”. E, numa versão ulterior, substituiu Deus pela “santíssima majestade”, o Espírito Santo de Deus: “Eu acredito que o eterno Deus daquele caos do qual eu já falei tenha retirado dali a mais perfeita luz, assim como se faz o queijo, e daquela luz fez os espíritos que nós chamamos anjos, entre os quais elegeu o mais nobre, e a ele deu toda sua sabedoria, toda sua vontade e todo seu poder, e este é o que nós chamamos Espírito Santo, o qual foi colocado por Deus na criação do mundo interior...”. Perguntou o inquisidor, “Deus foi sempre eterno e esteve sempre no caos?” “Eu acredito que sempre tenha estado juntos, nunca separados, isto é, nem o caos sem Deus, nem Deus sem o caos.”

Diante dessa miscelânea, o inquisidor tentou (era 12 de maio) obter um pouco de clareza antes de concluir definitivamente o processo.

Assim, na sua linguagem densa, recheada de metáforas ligadas ao cotidiano, Menocchio explicava sua cosmogonia tranquilamente, com segurança, aos inquisidores estupefatos e curiosos. Apesar da grande variedade de termos teológicos, um ponto permanecia constante: a recusa em atribuir à divindade a criação do mundo – e, ao mesmo tempo, a obstinada reafirmação do elemento aparentemente muito bizarro: o queijo, os vermes-anjos nascidos do queijo. Parece claro pela resposta de Menocchio que a insistente remissão ao queijo e aos vermes tinha uma função puramente analógico-explicativa. A experiência cotidiana do surgimento de vermes do queijo putrefato servia para Menocchio explicar o nascimento dos seres viventes – os primeiros, os mais perfeitos, foram os anjos – do caos, da matéria “grande e indigesta”, sem recorrer à intervenção de Deus. O caos precede a “santíssima majestade”, que não é melhor definida; do caos nasceram os primeiros seres viventes – os anjos e mesmo Deus, que era o maior de todos – por geração espontânea, “produzidos pela natureza”. A cosmogonia de Menocchio era substancialmente materialista e tendencialmente científica. A doutrina da geração espontânea da vida a parti do inanimado, compartilhada por todos os intelectuais do tempo, era, de fato, mais científica que a doutrina da Igreja no que concerne à criação, baseada no Gênese.

Nos discursos de Menocchio, portanto, vemos emergir, como que por uma fenda no terreno, um estrato cultural profundo, tão pouco comum que e torna quase incompreensível. Esse caso, diferentemente dos outros examinados até aqui, envolve não só uma reação filtrada pela página escrita, mas também um resíduo irredutível de cultura oral. Para que essa cultura diversa pudesse vir à luz, foram necessária a Reforma e a difusão da imprensa. Graça à primeira, um simples moleiro pôde pensar em tomar a palavra e expor suas próprias opiniões sobre a Igreja e sobre e sobre o mundo. Graças à segunda, tivera palavras à sua disposição para exprimir a obscura, inarticulada visão de mundo que fervilhava dentro dele. Nas frases ou nos arremedos de frases arrancadas dos livros, encontrou os instrumentos para formular e defender suas próprias idéias durante anos, com seus conterrâneos num primeiro momento, e, depois, contra os juízes armados de doutrina e poder.

Desse modo, viveu pessoalmente o salto histórico de peso incalculável que separa a linguagem gesticulada, murmurada, gritada, da cultura oral, da linguagem da cultura escrita, desprovida de entonação e cristalizada nas páginas dos livros. A vitória da cultura escrita sobre a oral foi, acima de tudo, a vitória da abstração sobre o empirismo. Na possibilidade de emancipar-se das situações particulares está à raiz do eixo que sempre ligou de modo inextricável escritura e poder.

Menocchio era conscientemente orgulhoso da originalidade de suas idéias e, por isso, desejava expô-las às mais altas autoridades civis e religiosas. Ao mesmo tempo, porém sentia necessidade de dominar a cultura dos seus adversários. Compreendia que a escrita e a capacidade de dominar e transmitir a cultura escrita eram fontes de poder. Não se limitou, portanto, a denunciar a “traição dos pobres” pelo uso de uma língua burocrática (e sacerdotal) como o latim. O horizonte de sua polêmica era mais amplo. A idéia da cultura como privilégio fora gravemente ferida (com certeza não eliminada) pela invenção da imprensa.

Durante o processo, a atitude dos juízes mudara imperceptivelmente. De início, fizeram Menocchio notar as contradições em que caíra; depois, tentaram reconduzi-lo ao caminho certo; por fim, em vista de sua obstinação, renunciaram a qualquer tentativa de convencê-lo e se limitaram a perguntas exploratórias, como se desejassem chegar a um quadro completo de duas aberrações. E assim, no dia 17 de maio, após pouco mais de três meses de julgamento, a sentença foi promulgada: “condenaste com teu julgamento profano; foi por influência do espírito maligno que ousaste afirmar; enfim tentaste com tua boca imunda; imaginaste essa coisa totalmente abominável; e para que nada permanecesse imaculado e que não fosse por ti contaminado [...] negavas; adulterando com tua língua maldita [...] dizias; enfim latias; colocaste o veneno; e o que é terrível que não só se diga mas se ouça; teu espírito mau e perverso não se contento com essas coisas todas [...] mas levantou os seus cornos e, como os gigantes, te puseste a lutar contra a inefável Santíssima Trindade; o céu se espanta, tudo se conturba e estremecem os que ouvem as coisas tão desumanas e horríveis que com tua voz profana falaste de Jesus Cristo, filho de Deus”.

Menocchio foi condenado a abjurar publicamente todas as suas heresias, a cumprir várias penitências salutares, a vestir para sempre um hábito marcado com a cruz, em sinal de penitência, e a passar no cárcere, à custa dos filhos, o resto da vida.

No entanto permaneceu no cárcere de Concórdia quase dois anos. Em 18 de janeiro 1586, Ziannuto, seu filho, apresentou, em nome dos irmãos e da mãe, uma súplica ao bispo Matteo Sanudo e ao inquisidor de Aquiléia e Concórdia, que era então o frade Evangelista Peleo. A súplica fora escrita pelo próprio Menocchio: [...] “arrependido e sofrendo por tantos pecados, peço perdão, primeiro ao senhor Deus, em seguida a este Santo Tribunal, e lhes peço a graça de me libertar. Comprometo-me a lhe dar garantias idôneas de viver nos preceitos da Santa Igreja romana como também de fazer as penitências que este Santo Ofício me impuser, e peço a Nosso Senhor toda a felicidade para os senhores”.

O bispo de Concórdia e o inquisidor do Friuli reconheceram nisso tudo sinais de uma autêntica conversão. Convocaram imediatamente o magistrado de Portogruaro e alguns nobres do lugar e comutaram a sentença. Como cárcere perpétuo para Menocchio foi determinada a aldeia de Montereale, ficando-lhe proibido afastar-se dali. Ficava-lhe expressamente proibido também falar ou mencionar suas idéias perigosas. Deveria se confessar com regularidade e usar sobre a roupa a hábito com a cruz, sinal da sua infâmia. Um amigo, Daniele de Biasio, se responsabilizou por ele, comprometendo-se a pagar duzentos ducados em caso de violação da sentença. Arrasado física e mentalmente, Menocchio voltou para Montereale.

Tenta leva uma vida normal na comunidade, passando por dificuldades, visto que sofria com a discriminação por conta do hábito com a cruz, faltava-lhe emprego, dirige-se ao inquisidor e pede para tira-lhe o hábito com a cruz, e revogar a proibição de sai de sua cidade, ao que o segundo pedido foi atendido, Menocchio tentava leva uma vida com prudência guando falava de assuntos religiosos, no entanto seu pensamento não mudara, e ele cometera alguns deslizes, fazendo comentários críticos a Igreja. Por volta do fim de junho de 1599, ele foi novamente preso e confinado no cárcere de Aviano. Algum tempo depois foi transferido para Portogruaro. Em 12 de julho compareceu diante do inquisidor, frade Gerolamo Asteo, do vigário de Concórdia, Valeiro Trapola, e do magistrado do lugar, Pietro Zane. Quinze anos eram passados desde que Menocchio fora interrogado pela primeira vez pelo Santo Ofício. E passara três deles na prisão. Nessa altura já estava velho: magro, cabelos brancos, barba grisalha, sempre vestido como moleiro – túnica e gorro cinza-claro. Tinha 67 anos. Depois da condenação exercera diversas profissões: Foi marceneiro, moleiro, hospedeiro, deu aula de ábaco, etc. Ao contrário de quinze anos antes, o medo o levou, pouco a pouco, a renegar quase tudo o que era repetido pelo inquisidor. Porém, mais uma vez, mentira com dificuldade; apenas depois de esta “raciocinando muito pouco” é que afirmou nunca ter “duvidado que Cristo era Deus”. Em seguida, caiu em contradição, dizendo que “Cristo não possuía o poder do pai, já que tinha corpo humano”. “Está uma confusão” – objetaram-lhe. E Menocchio: “Eu não sei o que eu disse; eu sou ignorante”. Humildemente afirmou que, quando dissera que os Evangelhos haviam sido escritos por “padres e frades que estudaram”, estava se referindo aos evangelistas, “os quais acredito que tenha estudado muito”. Procurava dizer tudo o que esperavam que dissesse: “É verdade que os inquisidores e outras autoridades não querem que nós saibamos o que eles sabem, porém é preciso que nos calemos”. Todavia, em certos momentos não conseguia se conter: “Eu não acreditava que o paraíso existisse porque não sabia onde estava”.

Em 2 de agosto a congregação do Santo Ofício se reuniu: Menocchio foi declarado, por unanimidade, um “relapso”, um reincidente. O processo terminara. Decidiu-se, no entanto, submeter o réu a tortura, para arrancar-lhe o nome dos cúmplices. Isso aconteceu em 5 de agosto; no dia anterior, a casa de Menocchio fora revistada e, na presença de testemunhas, havia sido abertas todas as caixas e confiscados “todos os livros e escritos”.

Resistir a pressões tão fortes era impossível e depois de pouco tempo Menocchio foi executado. Temos certeza disso pelo depoimento de um tal Donato Serotino, que em 16 de julho de 1601 disse ao comissário do inquisidor do Friuli ter estado em Pordenone pouco depois de haver “sido justiçado pelo Santo Ofício [...] o Scandella”, e ter se encontrado com uma taverneira que lhe contara que “numa certa vila [...] um certo homem chamado Marcato, ou Marco, dizia que, morto o corpo, a alma também morria.”

A Idade Media no século XVI, a partir do processo de um simples moleiro (quem faz queijo) que através de leituras, e da reflexão da sua condição de camponês, passa a desafiar a ordem estabelecida, tanto pela sociedade que privilegia os nobres donos das terras em detrimento dos camponeses, como pela Igreja, que possuía o poder de vida e morte, através do julgamento dos hereges nos tribunais da inquisição.

A poderosa Igreja Católica medieval, que no século XVI tinha seu poder desafiado pela Reforma religiosa, jamais poderia aceitar o que o moleiro afirmava: segundo ele tudo que existia no inicio era como se fosse um queijo, do qual nascia vermes, estes vermes seriam, tudo o que veio do queijo, ou seja, tudo o existia até ali, como as pessoas, os anjos, a terra, o céu, o inferno, Deus o Diabo, etc. Através da metáfora do queijo e dos vermes, o personagem da historia mostra de forma simples, seu pensamento de como teria originado-se todas as coisas. Negando que tenha sido Deus que tenha feito tudo. Além de criticar os sacramentos, que ele considera mercadorias inventadas pela Igreja para subjugar os homens, também criticava a Santíssima Trindade, Cristo como sedo filho de Deus e a virgindade de Maria mãe de Jesus.

Será mesmo que toda esta discussão do autor CARLOS, sobre principalmente a Santissima Trindade deve ser levado em conta ? quanto ao período objeto central da discussão, certamente que teve seus exageros e abusos, mas devemos nos reportar ao momento do fato histórico, analisarmos todo o contexto e trazermos para o presente, observarmos os fatos de hoje, e compararmos se não existe semelhanças na exploração da fé do semelhante? Se as pessoas de fé ou de pouca fé não estão também sendo sacrificadas, de uma maneira um pouco diferente, não estão sendo colocadas na fogueira para serem sacrificadas vivas, mas sim na fogueira da ganancia do  querer os bens e tudo que a pessoa possa ofertar? métodos avançados e o poder da persuasão explorado o desespero do outro, que busca consolo espiritual e lhes é feito o discurso da prosperidade fácil da conquista através do divino e até mesmo a cura de doenças incuráveis, o que não deixa de ser uma controvérsia se a doença é incurável como eles oferecem a cura e ganham muito dinheiro com isso,  principalmente aquelas que em suas doutrinas são neopentecostais.

A exemplos podemos citar caso tão recente, se não vejamos:  Feliciano recebia ofertas de dinheiro e até de motos, quando chamou a atenção do fiel. "Samuel de Souza doou o cartão, mas não deixou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir milagre para Deus, Deus não vai dar, e aí vai falar que Deus é ruim."

Portanto, chego  a seguinte conclusão: todas independentes de qualquer denominação, são todas comerciais vivem exclusivamente do medo do outro  de ir para o inferno.

QUE DEUS NOS LIVRE!  

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