quarta-feira, 3 de abril de 2013

História passada a limpo


História passada a limpo



Terça-feira, 31 de março de 1964. Há exatos 49 anos, a temperatura política do Brasil atinge o ponto de ebulição e as instituições fervem. O País vivia os capítulos finais de uma história que parecia fadada ao golpe. O dia seguinte, 1 de abril, confirmaria o mergulho do País na longa e soturna noite de uma ditadura militar que duraria 24 anos.

No Pará, as notícias e as consequências do golpe se fizeram notar já naquele 1 de abril. Um dos primeiros paraenses a ser preso, o hoje publicitário Pedro Galvão, era presidente da União Acadêmica Paraense. Ganhou de imediato o rótulo de “subversivo” e foi preso, horas depois que as tropas do general Olímpio Mourão Filho partiram para o Rio de Janeiro, antecipando o golpe que já se desenhava há alguns dias. “O clima de falta de liberdade e o medo se instalaram imediatamente. Medo de pensar alto”, conta. Galvão passou dois meses preso. Escapou da tortura, mas o recado fora dado.

Ao recontar a história, o publicitário que, em 2004, lançou no livro “Relatos Subversivos”, chama a atenção para o fato de que, naquele momento, os militares não encontraram resistências para implantar sua ditadura no Brasil. “Foram apoiados pelas elites pensantes do País, pela classe média e pelo empresariado, com raríssimas exceções. Não podemos esconder a verdade: a imprensa e parte significativa da igreja também apoiaram o golpe. A verdade liberta”, diz Galvão.

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Prevalecia naquele período a impressão de que o Brasil estava fadado ao golpe. Eram os anos da guerra fria e, como ocorria em todo mundo ocidental, a polarização entre direita e esquerda, comunismo e capitalismo, era um traço marcante.

No Brasil, a questão era saber se o golpe viria à esquerda ou à direita. Venceu a direita. O argumento inicial de que se tratava de uma ato extremo para “salvar as instituições democráticas”, foi se dissolvendo ano após ano. Os militares gostaram do poder, foram criando raízes e começaram a dar claras demonstrações de que pretendiam manter-se no comando por muito mais tempo do que o previsto inicialmente. “Nós estávamos há 19 anos da ditadura do Estado Novo e não fazíamos a menor ideia do que era um golpe, uma ditadura e suas consequências. Muita gente apoiou, não por má-fé, mas por desinformação, e depois alguns foram mudando de opinião” , conta Galvão.

GOLPE NO PARÁ
Uma das consequências políticas do golpe no Pará foi a destituição do então governador Aurélio do Carmo. Como boa parte dos brasileiros, ele admite que nas primeiras horas não tinha a dimensão do tamanho que o golpe tomaria na vida brasileira.

Naquele final de março, Do Carmo estava no Rio de Janeiro para ajudar na campanha à presidência de Juscelino Kubitschek e chegou a visitar o com o homem que conduziria o país naqueles primeiros anos de ditadura. O marechal Castelo Branco tranquilizou o então governador do Pará. “Ele me disse que poderia voltar a meu Estado que nada haveria contra mim e eu vim”, conta o ex-governador.

Mas não tardaram as movimentações para depô-lo do cargo. Como de hábito, a acusação era de corrupção e subversão. A gota d’água teria sido uma viagem à União Soviética, então maior potência comunista do planeta. Ao fazer 90 anos, o ex-governador contou em entrevista ao DIÁRIO que fora conhecer o funcionamento de uma siderúrgica, um sonho que já naquela época o Pará alimentava. Chamado para depor sobre a viagem, o governador se recusou e atraiu contra si a ira dos ditadores. “Foi uma grande surpresa. A cada ano que passo me convenço de que ninguém está preparado para algo assim, mas as circunstâncias permitiram. Graças a Deus, estou vivo, lúcido para contar a história”, disse Aurélio do Carmo, que no último dia 18 recebeu de volta, simbolicamente, o diploma de governador, em cerimônia Assembleia Legislativa. “Meus amigos brincam comigo dizendo que tem agora um Papa emérito e um governador emérito. Foi uma emoção. Me senti reconfortado. Foi devolvido o que me foi tirado pela força das armas”.

MEMÓRIA

Também presente à cerimônia estava o senador Jader Barbalho, que foi receber o diploma de deputado em nome do pai, Laércio Barbalho, outra vítima do regime militar. Jader, também personagem marcante da luta contra a ditadura, lembra que no ano do golpe era apenas um jovem militante do movimento estudantil. Ele conta que mesmo antes dos chamados anos de chumbo – entre 1968 e 1975 – os militares começaram a demonstrar a intenção de permanecer no poder.

O recado claro foi o Ato Institucional número II, de outubro de 1965, que extinguiu os partidos políticos e suprimiu as eleições diretas para governador e presidente da República. A partir dali, não haveria mais dúvidas: o Brasil estava sob a égide de uma ditadura. “Foi um momento de frustração para a nação e até para alguns aliados do regime”, conta Jader.

Com o AI-5 de 1968, mandatos foram cassados e assim, o jovem Jader ingressou na militância política. “O MDB ficou sem lideranças. Boa parte da bancada na Assembleia renunciou”. A renúncia fora um protesto pela cassação de mandatos como o de Laércio Barbalho e de Hélio Gueiros.

“Precisamos relembrar dos fatos, falar deles para que não se repitam. As novas gerações não têm ideia do que foi viver sob um regime ditatorial. Apesar de todos os defeitos, a democracia ainda é o melhor regime e gosto de compará-la à natação. Não se aprende a nadar fora da água. Só se aprende a democracia, vivenciando-a”, defende Jader.

Jornalistas remontam Pará sob censura

Quase 50 anos após o golpe, o Brasil parece querer, enfim, tratar das profundas feridas deixadas pelos anos de ditadura. A presidente Dilma Rousseff instituiu a Comissão Nacional da Verdade, que terá como missão ouvir e registrar relatos de vítimas do regime militar e de seus familiares - também poder para investigar casos de violação dos direitos humanos no período. O trabalho deve ser concluído em 2014, quando o País vai lembrar as cinco décadas da chegada dos militares ao poder. A Comissão Nacional deu origem a outras, Brasil a fora. No Pará, o Sindicato dos Jornalistas já começou a coletar depoimentos dos que viveram os anos marcados pela censura oficial aos meios de comunicação. Os primeiros a prestarem depoimento foram os jornalistas Lúcio Flávio Pinto e Paulo Roberto Ferreira. A Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará é formada por Franssinete Florenzano (presidente), Emanuel Villaça, José Maria Pedroso (Piteira), Priscila Amaral e Luciana Kellen, todos do Sinjor-PA.

No último dia 21, os dois jornalistas pintaram um retrado do que foi a atuação da imprensa sob censura entre os anos de 1964 e 1985. Uma opinião comum é de que houve adesão dos veículos de comunicação ao regime dos militares.

Um fato marcante no Pará foi a prisão de lavradores em São Geraldo do Araguaia, na sede do Grupo Executivo de Terras Araguaia-Tocantins, onde foram torturados. O objetivo era arrancar uma acusação contra os padres franceses Aristides Camio e François Gouriou. Os dois acabaram presos em agosto de 1981, acusados de incitar invasões de terra. Julgados e condenados, foram expulsos do País.

Paulo Roberto Ferreira contou que, aprovado em concurso para a Caixa Econômica Federal, acabou demitido em 1980 por causa de suas atividades “subversivas”, entre elas, o trabalho voluntário no jornal “Resistência”, da Sociedade Paraense de Defesa dos Diretos Humanos. Intimidação e ameaças eram as armas mais brandas do regime que, nos anos de chumbo, aderiu de vez à tortura e ao assassinato dos adversários.
(Diário do Pará)

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